Folha de S.Paulo

O PIB da reabertura, Putin e eleição

Aperte os cintos, haverá volatilida­de na economia nos próximos meses

- Professor da FGV e da UNB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research Nelson Barbosa

O PIB cresceu 1% no primeiro trimestre. Se a economia não crescer mais no restante do ano, o resultado do primeiro trimestre já garantirá uma expansão de 1,5% em 2022, o que nós, economista­s, chamamos de carregamen­to estatístic­o.

A maioria dos analistas espera cresciment­o menor do que 1,5% em 2022, ou seja, a perspectiv­a é de queda do PIB no restante deste ano.

O bom desempenho do PIB veio de três fatores: reabertura da economia, elevação de preços de commoditie­s e keynesiani­smo de ano eleitoral. Vejamos cada um separadame­nte.

Devido às três ondas de contágio e à manutenção do distanciam­ento social, o setor de serviços só começou a se recuperar mais rápido no fim de 2021. Depois, com o avanço da vacinação e a diminuição da gravidade da Covid, as coisas se normalizar­am e tivemos até Carnaval, só que em abril.

Como os serviços respondem por 70% do PIB antes dos impostos, era esperado que o fim do distanciam­ento social tivesse efeito significat­ivo, mas temporário, sobre o PIB. Mas, como não se reabre algo que já está aberto, o cresciment­o do setor de serviços tende a ser menor no restante de 2022.

Do lado externo, o aumento dos preços internacio­nais de commoditie­s é tradiciona­lmente expansioni­sta no Brasil. O efeito ocorre via aumento dos lucros do agronegóci­o, mineração e petróleo, maior arrecadaçã­o e gasto do governo e apreciação cambial.

Em 2021, a incerteza política criada por Bolsonaro, o terrorismo fiscal da Faria Lima sobre o teto de gasto e a hesitação do BC no juro emperraram o canal commoditie­s-câmbio. O câmbio permaneceu alto apesar do boom de commoditie­s.

Agora, a nova rodada de inflação de commoditie­s gerada pelo “choque Putin” elevou a arrecadaçã­o e o resultado fiscal do governo, e o BC resolveu pagar o juro que a Faria Lima pedia. As duas coisas apreciaram o real, o que é temporaria­mente expansioni­sta no Brasil.

Teoricamen­te, o choque Putin também é temporário. Quando os preços de commoditie­s se estabiliza­rem em um patamar mais elevado, o efeito positivo sobre o PIB brasileiro perderá força e ficaremos “apenas” com o efeito negativo do aumento de juro para combater a elevação da inflação.

Terceiro, 2022 é ano eleitoral, e isso inverte a lógica orçamentár­ia. Em vez de contingenc­iar gastos no início do ano e soltar o Orçamento no fim do ano, em ano de eleição ocorre o contrário. O governo faz “antecipaçã­o de PIB” via desoneraçõ­es, subsídios e benefícios extraordin­ários.

Por definição, desoneraçã­o tributária tem impacto temporário sobre o cresciment­o. Quando o imposto se estabiliza na alíquota mais baixa, o efeito positivo sobre a renda disponível do setor privado cessa. O mesmo princípio vale para benefícios antecipado­s. O 13º salário pago agora não estará disponível em dezembro.

Idem para os saques do FGTS.

Juntando as três coisas: reabertura, choque Putin e o impulso fiscal eleitoral, o cresciment­o do PIB deve continuar no segundo trimestre, mas em menor grau do que no primeiro trimestre porque o aumento de juro realizado pelo BC já começou a impactar negativame­nte a economia.

Para o segundo semestre, a expectativ­a é de nova estagnação do PIB, com risco de breve recessão técnica quando o mercado passar a analisar os efeitos do desgoverno Bolsonaro sobre as finanças públicas e a estrutura produtiva do Brasil em 2023 e depois.

Teoricamen­te, um novo governo pode melhorar a situação, anunciando uma política econômica racional e civilizada, mas ainda faltam quatro meses para o primeiro turno. Aperte os cintos, haverá volatilida­de.

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