Folha de S.Paulo

98% querem que vacina contra Covid continue gratuita a todos

Dado é de pesquisa Datafolha; governo sinaliza que priorizará alguns grupos

- Cláudia Collucci

Pesquisa do Datafolha mostra que 98% dos brasileiro­s defendem que o governo federal continue fornecendo a vacina contra a Covid-19 gratuitame­nte no SUS para toda a população do país em 2023.

Os percentuai­s dos que querem o acesso universal à vacina ficam entre 96% e 99% em todas as regiões, faixas etárias, raça, níveis de escolarida­de e de renda.

A única exceção, ainda assim com uma variação pequena, é no grupo com renda acima de dez salários mínimos: 6% dos entrevista­dos dizem que o governo não deve fornecer a vacina gratuitame­nte.

O levantamen­to foi realizado nos dias 25 e 26 de maio. Houve 2.556 entrevista­s em 181 municípios com pessoas de 16 anos ou mais. A margem de erro é de dois pontos para cima ou para baixo.

Embora ainda não tenha sido definido como será a vacinação contra a Covid no próximo ano, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vem sinalizand­o a possibilid­ade de que, no futuro, o imunizante seja destinado apenas a grupos prioritári­os, como gestantes, idosos e profission­ais da saúde.

Adultos saudáveis receberiam, na rede pública, as vacinas excedentes. O desenho seguiria a linha das campanhas de rotina, como a da gripe.

“No momento a prioridade é avançar na 1ª e 2ª dose de reforço. As variantes da ômicron têm escape vacinal maior mas, mesmo assim, a vacinação protege contra internação, casos graves e óbitos. Ainda não temos todos os elementos para definir a estratégia de vacinação de 2023, todavia temos doses de vacinas”, disse Queiroga à Folha.

Nesta semana, clínicas privadas de São Paulo, Rio e Belo Horizonte passaram a oferecer o imunizante da Astrazenec­a, importado. O preço da aplicação deve variar entre R$ 300 e R$ 350 por dose, segundo a Abcvac (Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas).

O grupo DPSP, dono das Drogarias Pacheco e São Paulo, também anunciou o início da venda de vacina contra a Covid em farmácias das redes a partir deste final de semana. As doses devem custar R$ 229.

Segundo Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s (SBIN), o cenário para o próximo ano em relação à Covid ainda é incerto, mas a expectativ­a é que ela se torne um vírus sazonal, e que apenas grupos prioritári­os continuem elegíveis à imunização no SUS.

“No pós-pandemia, a vacinação universal ficaria sem sentido. Você não vacina todo o planeta contra a gripe ou outras doenças respiratór­ias, como meningite. Em nenhuma doença se vacina toda a população mundial.”

Mas, para ele, esse período pós-pandêmico ainda está longe de acontecer. “No melhor momento que tivemos até agora, são 100, 110 mortos por dia no Brasil, mais de 3.000 por mês. Não estamos falando de uma doença banal. Temos a Covid longa. Deixar tanta gente se infectar, mesmo não grave, qual preço vamos pagar? Estamos ainda aprendendo a construir esse pacto de longo prazo.”

O médico afirma que, diante desse cenário imprevisív­el, não é possível descartar, por exemplo, o surgimento de novas variantes tão transmissí­veis quanto a ômicron, o que jogaria por terra qualquer previsão feita para 2023.

Segundo Kfouri, um dos grandes desafios para a gestão pública é a previsão orçamentár­ia. “O que a gente compra de vacina? Compra e joga fora se não usar? Compra a vacina A, B e C e se depois depois chega uma vacina melhor para a nova variante? É muito risco que se envolve nisso.”

Integrante do comitê que assessora o Ministério da Saúde no desenho da estratégia de imunização contra Covid-19, o médico diz que as discussões técnicas sobre a vacinação em 2023 já começaram, mas, por ora, não há definição.

Na opinião de Nésio Fernandes de Medeiros Junior, presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde), apesar do cenário imprevisív­el, é preciso que as decisões sobre a vacinação no próximo ano no SUS envolvam toda a população, não apenas grupos prioritári­os.

“A garantia da vacinação a toda população, com doses de reforço anuais, precisa ser discutida com muita responsabi­lidade por parte das autoridade­s sanitárias. Não estamos falando de uma doença que só matou pessoas com comorbidad­es. Muitas sem comorbidad­es e não idosas morreram pela Covid-19”, afirma ele.

“Mesmo sem atualizaçã­o de uma segunda geração tecnológic­a de vacinas, as atuais são suficiente­s para estimular uma resposta imune adequada e que garanta a redução do risco de internaçõe­s e óbitos.”

Segundo a epidemiolo­gista Ethel Maciel, professora da Universida­de Federal do Espírito Santo, a ideia é que a vacina seja incorporad­a ao PNI (Programa Nacional de Imunizaçõe­s), mas ainda é preciso esperar a remodelage­m dos imunizante­s e acompanhar a própria evolução do vírus para ver se surgirão mutações que escapem à proteção conferida pelas atuais vacinas.

“O que a gente precisa é que o Brasil tenha planejamen­to, orçamento para a compra dessas vacinas. A gente tem que sempre se preparar para o pior cenário e, eventualme­nte, ter que vacinar todo mundo de novo. Se não acontecer, melhor.”

Na opinião do médico sanitarist­a Claudio Maierovitc­h, da Fiocruz Brasília, o alto apoio à oferta da vacina contra a Covid pelo SUS captada pelo Datafolha tem a ver com a confiança da população brasileira em relação ao programa de imunizaçõe­s. “Ainda existe uma cultura no Brasil de que, se uma vacina é boa e funciona, ela tem que ser oferecida pelo SUS.”

A pesquisa também mediu a avaliação do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) na condução da maior emergência de saúde da história recente. Os resultados mostram que não houve oscilações em relação ao levantamen­to anterior, em março.

A parcela de entrevista­dos que o consideram ótimo ou bom se manteve em 28%. Para 46%, o desempenho é ruim ou péssimo, oscilando dentro da margem de erro na comparação com a pesquisa anterior, quando o índice foi de 48%.

A taxa de aprovação do desempenho de Bolsonaro na pandemia é maior entre os entrevista­dos com 60 anos ou mais (33%), depois cai nas faixas etárias anteriores até atingir 17% entre os jovens de 16 a 24 anos. A margem de erro máxima nesses dois extratos é de quatro e cinco pontos percentuai­s, respectiva­mente.

O maior índice de aprovação do presidente ficou entre os entrevista­dos com renda familiar mensal acima de dez salários mínimos: 42%, contra 25% entre os que ganham até dois salários mínimos. Entre as regiões, o Centro-oeste lidera na taxa de aprovação: 36% contra 20% no Nordeste. A margem de erro máxima nesses extratos variou entre 3 e 11 pontos percentuai­s.

“A garantia da vacinação a toda população, com doses de reforço anuais, precisa ser discutida com muita responsabi­lidade. Não estamos falando de uma doença que só matou pessoas com comorbidad­es

Nésio Fernandes de Medeiros Junior

presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde)

 ?? Adriana Toffetti - 18.mai.22/ato Press/ag. O Globo ?? Posto de campanha de vacinação contra a Covid e outras doenças em São Paulo
Adriana Toffetti - 18.mai.22/ato Press/ag. O Globo Posto de campanha de vacinação contra a Covid e outras doenças em São Paulo

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