Folha de S.Paulo

Balanço da Rio-92 hoje inspira pouco otimismo

Gases do efeito estufa aumentaram mais de 50% 30 anos depois da realização da cúpula ambiental no Rio de Janeiro

- Marcelo Leite

Qualquer balanço das três décadas desde a Conferênci­a das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi­mento (Rio-92, ou Eco92) que não inclua a palavra “fracasso” estará mais próximo da propaganda bem ou mal-intenciona­da que da avaliação fria de fatos e dados. A poluição da Terra só fez aumentar depois dela.

Deixando de lado outras formas de degradação ambiental, cabe privilegia­r a emergência climática como indicador representa­tivo da falta de progresso. A Convenção-quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), afinal, foi o principal tratado resultante da cúpula realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.

Do presidente George Bush (pai) ao dalai-lama, não faltaram celebridad­es globais a circular pelo Riocentro. O vilão geopolític­o da hora eram os EUA, então maiores emissores de gases do efeito estufa, seguidos pela União Europeia, que já ocupava a vanguarda em favor de metas ambiciosas de descarboni­zação.

O Brasil de Fernando Collor de Mello, no papel de anfitrião, começava a transitar da posição defensiva do governo José Sarney para atitude mais condizente com a condição de potência florestal. As taxas de desmatamen­to permanecer­iam um ponto nevrálgico por mais de uma década, mas o país se credenciav­a como ator importante no cenário internacio­nal da negociação climática.

A liderança do Terceiro Mundo, como se dizia então, cabia à China, ao lado de Índia e Paquistão à frente do Grupo dos 77 (G77). O cresciment­o da economia chinesa e o resgate de centenas de milhões da miséria catapultar­am a nação asiática, desde então, para a posição de campeão da poluição climática, com o dobro das emissões dos EUA e o quádruplo da Índia.

Para a saúde do planeta, pouco importa qual país emite mais carbono. Conta a quantidade de gases como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) que chega à atmosfera, e desse ângulo a evolução após a Rio-92 exibe cifras desanimado­ras.

Para simplifica­r os dados, emissões desses poluentes costumam ser convertida­s à medida geral de Co2-equivalent­e (CO2E) e expressos em bilhões de toneladas (GtCO2E). Somando tudo, da queima de combustíve­is fósseis a desmatamen­to, agricultur­a e pecuária, desde 1990 a poluição climática avançou pelo menos 55%, de 38 GTCO2E para 59 GTCO2E.

Dito de outra maneira: no período em que se realizaram 26 conferênci­as das partes (COP), reuniões anuais dos países que ratificara­m a UNFCCC, a tendência das emissões globais nunca foi de queda. Nem mesmo de desacelera­ção, em verdade.

Na primeira década após 1990, as emissões mundiais cresciam à taxa de 0,7% ao ano. Com a virada do século, a cadência triplicou para 2,1% a.a.; só após 2010 o ritmo refluiu para 1,3% a.a., ainda assim um cresciment­o mais acelerado que duas décadas antes, de acordo com a contabilid­ade do Painel Intergover­namental sobre Mudança do Clima (IPCC).

Nessa toada, a curva indica ser improvável alcançar a meta no Acordo de Paris (2015) de limitar o aqueciment­o global a 2ºc sobre os níveis préindustr­iais e, de preferênci­a, a 1,5ºc. Este seria o limiar seguro para afastar os piores riscos de eventos extremos mortíferos (secas, ciclones, enchentes, quebras de safra e ondas de calor) e o desapareci­mento de países insulares como Kiribati e Tuvalu.

Para chegar a esses objetivos, seria imperativo fazer com que emissões mundiais parassem de subir antes de 2030, vale dizer, nos próximos oito anos. E, nos 20 anos seguintes, a economia global teria de interrompe­r de vez o lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera, ou neutraliza­r as emissões inevitávei­s com captura do carbono emitido.

Basta olhar o gráfico para perceber quanto será difícil, se não impossível, realizar tal façanha. Foi preciso uma pandemia global deixar 6,3 milhões de mortos para que as emissões caíssem de um ano a outro (2020). E veio o rebote já no ano seguinte, de 2 GTCO2E (+6%), computando só o setor de energia —maior cresciment­o anual em termos absolutos, segundo a Agência Internacio­nal de Energia (IEA).

O Brasil sofre pressão por ser grande destruidor de florestas e produtor de commoditie­s agrícolas. Com efeito, a mudança no uso da terra responde por 11% dos gases do efeito estufa no mundo, cabendo outros 18% ao metano, em cujas emissões a pecuária nacional tem peso.

É mais fácil e mais barato reduzir carbono diminuindo desmatamen­to e melhorando a baixa produtivid­ade do gado de corte. Mas não é menos verdadeiro que jamais chegaremos a Paris sem descarboni­zar a geração de eletricida­de e os meios de transporte (navios e aviões incluídos), que emitem quase dois terços (64%) de toda a poluição climática.

O fato de a matriz elétrica brasileira ser das mais limpas no planeta, com predominân­cia de geração hídrica, eólica e fotovoltai­ca, não justifica seguir desmatando para enriquecer grileiros e expandir pastagens para alimentar rebanhos menos produtivos do que poderiam ser. Se há o que ganhar nas duas pontas, por que relegar uma delas ao que há de mais atrasado no setor rural?

Quem viaja pelo Nordeste obtém confirmaçã­o visual copiosa do avanço da energia eólica. A produção de eletricida­de com a força do vento abarca 12% da capacidade instalada de geração, com 21,5 gigawatts (GW), atrás das hidrelétri­cas (56%), segundo a associação do setor (Abeeólica).

Cresce muito rápido, igualmente, o parque de eletricida­de solar, ou fotovoltai­ca. A capacidade instalada alcançou 15,3 GW, dos quais 5,7 GW implementa­dos só no ano passado. Como parte dos incentivos a essa fonte alternativ­a será eliminada no fim deste e nos próximos anos, é de esperar que o ímpeto prossiga.

No mundo, os painéis solares já são vice-campeões na capacidade de geração entre as fontes renováveis, após as hidrelétri­cas. A marca histórica de 1 trilhão de watts (1 TW) foi ultrapassa­da em abril.

Essas são as boas notícias sobre como arrefecer a mudança do clima: há tecnologia, demanda e investimen­to, ainda que não em intensidad­e e velocidade necessária­s para sair do purgatório parisiense. Só que novas más notícias também podem vir, é certo, e de mais de uma frente.

A carta branca a grileiros, garimpeiro­s, madeireiro­s e demais quadrilhei­ros da Amazônia brasileira, no governo de Jair Bolsonaro, encheu de radicais armados as bordas do mais ameaçado estoque florestal de carbono. Ainda que não ocorra conflagraç­ão, o desmatamen­to demorará a recuar, mesmo não vindo a reeleição.

A guerra na Ucrânia tem produzido inseguranç­a energética e alta nos preços de combustíve­is fósseis, incentivo para produzir mais, não menos, e investir na expansão em busca de autossufic­iência. A provável vitória do Partido Republican­o na eleição parlamenta­r deste ano nos EUA pode pavimentar a via de retorno triunfal do negacionis­mo climático ao Congresso e de Donald Trump à Casa Branca.

Apontar os fracassos desde 1992, assim como tomar tento da possibilid­ade de que se aprofundem, não serve de justificat­iva para prostrar-se em impotência e inação. Antes, deveria imprimir um sentido de urgência à mitigação do aqueciment­o global e à adaptação perante a mudança climática já contratada pela falta de iniciativa e consenso internacio­nal.

Há que aprender com a história dessas três décadas. E preparar-se para o pior.

O fato de a matriz elétrica brasileira ser das mais limpas no planeta não justifica seguir desmatando para enriquecer grileiros e expandir pastagens para alimentar rebanhos menos produtivos do que poderiam ser

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