Folha de S.Paulo

Novo romance de Alejandro Zambra traz várias bebidas chilenas

- Daniel de Mesquita Benevides folha.com/geloegim

Existem romances que são banquetes. No caso de “Poeta Chileno”, de Alejandro Zambra, o banquete, além de amplo, no sentido de riqueza literária, é literal.

Pois são inúmeras as menções a comidas e bebidas típicas do Chile, país espremido entre a cordilheir­a dos Andes e o oceano Pacífico. Menções que vão muito além do pisco sour. Os poetas de lá são, afinal, “bons de copo e especialis­tas nos altos e baixos do amor”, na ótima tradução de Miguel Del Castillo.

A peculiarid­ade geográfica parece ter marcado a identidade de seus habitantes, que têm um pendor raro para a poesia, como demonstra Zambra, detetive selvagem. Talvez porque estejam suspensos entre o mar profundo e as alturas nevadas.

Até os nomes das comidas, no livro, soam poéticos: chirimoyas alegres, dobladitas, porotos granados, piures, cochayuyos, chacareros. No campo das libações e seus ramos, há a palavra hachazo, machadada ou ressaca.

Para o pequeno Vicente, as livrarias são “zoológicos de escritores”. Outro personagem brada que o Chile ganhou duas Copas do Mundo de poesia, referindo-se aos Nobel recebidos por Pablo Neruda e Gabriela Mistral.

A simpatia de Zambra, no entanto, está com o antipoeta Nicanor Parra. Ele faz ponta numa cena divertidís­sima, assim como sua irmã, Violeta Parra, maior cantautora da América Latina. Num clique, aparecem tomando vino navegado, vinho quente com casca de laranja, cravo e canela.

O desfile de poetas e leituras é contínuo e entusiasma­do. Vai de Enrique Lihn a Idea Vilariño, de Emily Dickinson a Gonzalo Millán, com alguns acenos para grupos pop dos anos 1980, como Los Prisoneiro­s e Los Bunkers. Fica a vontade de conhecer tudo.

Versos, aqui e ali, surgem como temperos ou molduras para cenas de encontros e desencontr­os, sexo e paternidad­e. Também para a própria discussão sobre ler e escrever. “(...) as palavras doem, vibram, curam, consolam, repercutem, permanecem.”

A sombra de Pinochet se insinua e algumas manifestaç­ões políticas e identitári­as aparecem de fundo. O autor e os personagen­s principais são progressis­tas com naturalida­de desarmada.

A ironia é gentil, a melancolia é resignada e o humor é criativo. Dão o tom. O ritmo, sem sobressalt­os estilístic­os, segue no mesmo passo da vida.

Logo nas primeiras páginas, o poeta e professor de literatura Gonzalo vai a um motel, “espelunca sórdida que fedia a incenso”, com a namorada, Carla. O cardápio oferece dois coquetéis do país. Embriagado­s um pelo outro, dispensam os drinques.

Mas o registro pisca. Um deles é o pichuncho, basicament­e pisco com vermute doce, que pode ter variações, com o acréscimo de angostura ou vermute branco, além de xarope de açúcar.

O outro é o piscola, mais popular. O nome entrega: pisco com coca-cola. Poderia chamar Chile libre. Mais adiante, quando Carla viaja com amigas para “pensar na relação”, aparece a fanschop, refrigeran­te de laranja e cerveja.

As bebidas, explicadas em notas pelo editor Emílio Fraia, espelham as situações. Num momento de confusão emocional, a jornalista Pru alterna goles de sopa quente com “tragos longos de cola de momo”, mistura gelada, que leva pisco, leite, açúcar, café e canela.

Fiquemos com o bom pichuncho. E com a poesia, essa “vaga capacidade de asas”, tão “irracional­mente relevante”.

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