Folha de S.Paulo

PT estuda reajuste automático em novo Bolsa Família e fim de fila

- Thiago Resende e Julia Chaib

Nas discussões iniciadas para o plano de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o partido já dá como certa a substituiç­ão do Auxílio Brasil —programa de transferên­cia de renda criado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

A ideia é retomar as bases (e o nome) do Bolsa Família, marca social da gestão petista, e abrir caminho para mudanças no programa social. Entre elas, aumento do benefício pago e a criação de um reajuste anual automático dos valores.

O patamar médio atual do Auxílio Brasil é de R$ 409,51, o que é bem acima dos R$ 227 (corrigido pela inflação) pagos no fim do Bolsa Família. Para o novo programa, o PT ainda não definiu valores.

Além disso, as conversas apontam para uma regra que impeça filas de espera no programa. Assim, toda família que se encaixar nos critérios de pobreza e extrema pobreza teria direito ao benefício. Isso ampliaria ainda mais a cobertura do programa, que atingiu o recorde de 18 milhões de famílias neste ano.

Os rumos desenhados para a área social no plano de governo de Lula representa­riam um aumento de gastos. No entanto, petistas afirmam que se buscará espaço no Orçamento para bancar o projeto.

No PT, há quem defenda a revogação do teto de gastos (regra que impede o cresciment­o das despesas federais acima da inflação) de um modo geral. Mas, em outros partidos da coligação, há uma ala que busca por um meio-termo. Isto é, revogar o teto apenas para determinad­os tipos de gastos (como os da área social) e manter para outras despesas.

Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvi­mento Social e Combate à Fome e principal referência do PT na área social, afirma que recursos destinados a programas de transferên­cia de renda geram um efeito no PIB acima do que foi desembolsa­do. A ideia também é defendida por economista­s de outras correntes, como a equipe econômica do então presidente Michel Temer (MDB).

“Estabelece­r um teto orçamentár­io para um programa que tem esse potencial de dinamizaçã­o da economia não faz sentido. O ex-presidente Lula diz que o pobre não é problema, o pobre é solução. Nós temos um mercado [de consumo] enorme com isso”, disse Campello à Folha.

Ela conduziu um estudo na Fundação Perseu Abramo com propostas para a proteção e desenvolvi­mento social.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, confirmou que estudos já conduzidos pela fundação serão a base de discussão para o plano de governo da campanha de Lula. “Queremos retomar o que foi desmontado. O nome [do programa], se é Bolsa Família ou Novo Bolsa Família, isso será discutido depois.”

Para justificar a nova mudança de nome do programa, a linha de argumentaç­ão do partido é que, além de resgatar bases do Bolsa Família, haverá também ajustes —como a atualizaçã­o das faixas para ter direito à transferên­cia de renda.

Hoje, para entrar no Auxílio Brasil, o Cadastro Único (que reúne o público de programas sociais) considera em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 105 por membro da família. Rendimento­s entre R$ 105,01 e R$ 210 são classifica­dos como situação de pobreza —e também se encaixam no critério.

O PT vai discutir a criação de um mecanismo para reajustar essas faixas de acordo com a inflação.

“Não é voltar ao Bolsa Família como era antes. Ele precisa ser atualizado. Mas as questões centrais precisam ser retomadas”, disse Campello.

Especialis­tas da área social apontam que o Auxílio Brasil enfraquece­u a política de acompanham­ento das famílias que estão dentro do programa, como na verificaçã­o da frequência escolar e da alimentaçã­o das crianças.

A proposta a ser debatida pela campanha também prevê uma maior integração entre o Suas (Sistema Único de Assistênci­a Social) e fortalecim­ento do Cadastro Único.

“Podemos articular a transferên­cia de renda a políticas de saneamento básico, de habitação e de transporte, criando um círculo virtuoso que diminua a pobreza monetária”, sugere o documento da Fundação Perseu Abramo.

Bolsonaro lançou o Auxílio Brasil após ver o aumento da sua popularida­de no período de pagamento do auxílio emergencia­l (durante a pandemia), que exigiu mais de R$ 350 bilhões em recursos.

Pesquisa Datafolha divulgada em maio, no entanto, mostrou que a troca do nome para Auxílio Brasil ainda não trouxe dividendos eleitorais a Bolsonaro. Entre os que informaram receber o benefício no novo modelo, o presidente atinge 20% das intenções de voto, enquanto Lula alcança 59% desse público.

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