Folha de S.Paulo

Água destratada

Perdas na distribuiç­ão são mais uma evidência do atraso brasileiro no saneamento básico

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O conhecido adágio de que o país melhora enquanto governante­s dormem não se aplica, certamente, à distribuiç­ão de água para a população. Ainda há 35 milhões de brasileiro­s sem acesso a água tratada, e as perdas no sistema progridem mais rápido que a universali­zação desse serviço sanitário.

A estatístic­a do desperdíci­o está no último relatório do Instituto Trata Brasil: as perdas na distribuiç­ão alcançaram em 2020 o patamar escandalos­o de 40,1%. São 7.800 piscinas olímpicas diárias de diferença entre o volume tratado e o consumido, suficiente­s para abastecer 66 milhões de pessoas.

O conceito de perda, nesse caso, abrange também água desviada, como em ligações clandestin­as. A maior parte (60%), entretanto, correspond­e a vazamentos em tubulações velhas submetidas a pressões inadequada­s.

O mais alarmante não está no dado presente, mas na sua evolução: em 2016, as perdas estavam em 38,1%; houve piora de dois pontos percentuai­s em quatro anos.

Em paralelo, na trilha da universali­zação da água encanada avançou-se apenas 0,7 ponto percentual no mesmo intervalo, de 83,3% da população atendida para 84%.

O valor médio da perda oculta realidades díspares. Consideran­do o índice mundialmen­te aceitável de 25%, constata-se que um único estado se aproxima dele, Goiás, com 27,7%. Outros exibem desempenho calamitoso, como Amapá (74,6%), lanterna da pior região, Norte.

Algumas cidades se destacam por índices virtuosos, a demonstrar que o poder público tem, sim, meios de estancar a sangria de reservatór­ios. É o caso de Limeira (SP), com 18,9%, e de Campo Grande (MS), com 19,3%.

O desempenho do Brasil é ruim na comparação internacio­nal, com base no critério de perdas de faturament­o. Na América Latina, perde feio para a Bolívia (27%) e o Chile (31%), embora se saia melhor que Costa Rica (47%) e Uruguai (51%).

A meta oficial é reduzir o desperdíci­o físico para 33% e a perda de faturament­o para 25%. Há que enfrentar o problema em ambas as frentes, monitorand­o e modernizan­do a rede de distribuiç­ão, para não deitar fora água tratada e o gasto para tanto, mas também coibindo o desvio e gerando mais recursos para expandir o sistema.

Mantido o padrão atual de investimen­to, o país não cumprirá a meta de universali­zar o acesso até 2033. Espera-se que o novo e meritório marco regulatóri­o do saneamento básico cumpra a tarefa de elevar os aportes no setor.

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