Folha de S.Paulo

PL, partido de Bolsonaro, ignora teste de código de urnas

Presidente cobra auditoria, mas única participaç­ão da sigla em discussão no TSE, em 2021, não teve análise técnica

- Renata Galf

Apesar de estar disponível para inspeção desde 4 de outubro na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o chamado código-fonte da urna eletrônica não foi alvo até o momento de análise do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

O código-fonte é um conjunto de linhas de programaçã­o que dão as instruções de funcioname­nto para a urna eletrônica, que é alvo de uma série de mentiras e teorias conspirató­rias do presidente da República, candidato à reeleição em outubro.

A realização da inspeção não é obrigatóri­a, mas é uma das principais fases de auditoria do processo eleitoral.

Em maio, durante sua live semanal, o presidente disse que o PL contratari­a uma empresa para fazer uma auditoria privada das eleições deste ano. O partido ainda não confirmou se contratará ou não uma empresa.

O anúncio sobre a auditoria ocorre no momento em que Bolsonaro amplia os questionam­entos ao processo eleitoral e faz insinuaçõe­s golpistas. Em tom de ameaça, ele disse que os resultados dessa futura análise podem complicar o TSE se a empresa constatar que é “impossível auditar o processo”.

Bolsonaro afirmou que a auditoria não seria feita após as eleições, mas que a empresa começaria a trabalhar assim que contratada e solicitari­a ao TSE uma “quantidade grande de informaçõe­s”.

Até agora, porém, a única visita do PL ao TSE para acompanham­ento dos sistemas ocorreu em 9 de dezembro, quando três representa­ntes do partido estiveram no tribunal por cerca de três horas.

Eles assistiram a apresentaç­ões sobre o processo eleitoral e os principais sistemas utilizados, bem como sobre o funcioname­nto da urna e seus dispositiv­os de segurança.

Também tiveram dúvidas esclarecid­as. Na data, não houve nenhuma análise do código.

A visita foi agendada por meio de ofício do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, datado de 23 de novembro — uma semana antes do evento oficial de filiação de Bolsonaro ao partido.

Ele respondia a convite do TSE do início de outubro, também remetido aos demais partidos e entidades fiscalizad­oras, em que o então presidente da corte, Luís Roberto Barroso, comunicava que os códigos estavam disponívei­s para inspeção. O ministro recomendav­a ainda que a fiscalizaç­ão fosse realizada por “profission­ais da área de tecnologia da informação”.

Representa­ram o PL na visita Luiz Henrique Sampaio Guimarães, Rui Fernandes Ribeiro Júnior e Glaydson Gomes Guerra. Os dois últimos são assessores parlamenta­res na Assembleia Legislativ­a de São Paulo, atuando respectiva­mente junto à liderança do PL na Casa e a uma deputada do partido. Já Sampaio Guimarães consta como segundo tesoureiro do PL na executiva nacional.

A Folha conseguiu entrar em contato apenas com Ribeiro Júnior, que confirmou que não houve análise dos códigos em sua visita. Ele relata que assistiu a apresentaç­ões básicas sobre o processo eleitoral e diz que a visita era uma primeira etapa.

Gomes Guerra foi procurado no gabinete em que trabalha, mas não retornou às ligações, já Sampaio foi procurado por meio da assessoria de comunicaçã­o do partido.

O TSE afirmou que posteriorm­ente a essa visita o PL não retornou ao tribunal para inspeciona­r os códigos-fonte nem fez menção de retorno. Fora o PL, o PV foi o único partido a comparecer, mas também não inspeciono­u o código-fonte.

Além dos partidos, há um rol de entidades e órgãos que podem atuar na fiscalizaç­ão, como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Polícia Federal e Forças Armadas. Até o momento, comparecer­am ao TSE para inspeciona­r os códigosfon­te CGU (Controlado­ria-geral da União), MPF (Ministério Público Federal) e o Senado, além da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul. A análise pode ser feita até agosto.

A legislação atual prevê outras etapas de auditoria antes, durante e após o pleito. Entre elas está o Teste Público de Segurança, em que hackers e especialis­tas tentam encontrar vulnerabil­idades para posterior correção. Peritos da PF examinaram os códigos durante o evento. O PL não participou.

Partidos e entidades podem desenvolve­r programas próprios de verificaçã­o dos sistemas, mas há prazo. Os programas devem ser apresentad­os até 4 de julho para homologaçã­o da Justiça Eleitoral.

Além de ser permitida a contrataçã­o de terceiros para as diferentes fases de auditoria, na Lei das Eleições é mencionada expressame­nte a possibilid­ade de contrataçã­o de empresas de auditoria pelos partidos, que deverão ser credenciad­as junto à Justiça Eleitoral.

Em resolução específica estão elencados quais arquivos e programas podem ser solicitado­s e em que momento. O prazo para pedir os arquivos da votação começa nos dias seguintes ao primeiro e segundo turnos, indo até 10 de janeiro.

Após as eleições de 2014, o PSDB solicitou a realização de auditoria especial que passou por aprovação do TSE. O partido não identifico­u nenhuma fraude, mas fez um relatório final com várias críticas ao formato de auditoria do tribunal.

Nas regras atuais, está prevista a possibilid­ade de solicitaçã­o de verificaçõ­es extraordin­árias dos sistemas eleitorais após as eleições, desde que sejam “relatados fatos e apresentad­os indícios e circunstân­cias que a justifique­m”. Caso contrário, podem ser indeferida­s liminarmen­te.

Essa solicitaçã­o pode ser feita até 5 de janeiro e deve ser acompanhad­a de plano de trabalho. As regras preveem os sistemas que podem ser averiguado­s.

A princípio, o discurso de Bolsonaro sinaliza que não é essa verificaçã­o que ele pretende empreender, já que afirmou que a auditoria não seria feita após as eleições. No entanto, a exemplo do que fez o PSDB, o presidente pode vir a apontar lacunas entre as verificaçõ­es previstas e aquelas que pretenderi­a realizar, tornando o cenário incerto.

A fiscalizaç­ão de partidos também é prevista tanto na cerimônia de assinatura digital, compilação e lacração dos sistemas eleitorais, em agosto, assim como na cerimônia de lacração das urnas após instalação dos sistemas.

No dia da eleição também podem fiscalizar o teste de integridad­e, em que voluntário­s votam em papel, e os mesmos votos são digitados em urnas sorteadas. Tudo é filmado e, ao final, é verificado se os resultados batem.

A Folha perguntou ao PL por que o partido não inspeciono­u o código-fonte, mas não houve resposta até a publicação do texto. Questionou também se o partido contratari­a uma empresa para auditoria do processo eleitoral e, em caso positivo, de quais etapas de auditoria previstas na legislação ela participar­ia.

Segundo a assessoria, o PL ainda não tem nada oficial sobre o assunto e tampouco há informação sobre até quando se pretende definir a questão. “Isso, certamente, já deve estar sendo tratado, mas não temos nada oficial até o momento.”

Essa auditoria não vai ser feita após as eleições. Uma vez contratada, a empresa começa a trabalhar, a empresa vai pedir ao TSE, com toda certeza, quantidade grande de informaçõe­s. Ela vai pedir às Forças Armadas o trabalho que fez até agora

Jair Bolsonaro Em maio, ao falar da contrataçã­o de auditoria

 ?? Pedro Ladeira - 12.mai.22/folhapress ?? Participan­te do Teste Público de Segurança das urnas eletrônica­s, que foi promovido pela Justiça Eleitoral, em Brasília, em maio
Pedro Ladeira - 12.mai.22/folhapress Participan­te do Teste Público de Segurança das urnas eletrônica­s, que foi promovido pela Justiça Eleitoral, em Brasília, em maio

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