Folha de S.Paulo

TSE é cobrado para que não omita dados de candidatur­as

Tribunal promove audiência sobre aplicação da LGPD no contexto eleitoral

- Mateus Vargas

Especialis­tas e entidades que tratam de direito eleitoral e à informação cobraram que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não passe a omitir dados sobre o pleito deste ano por causa da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

Em audiência pública encerrada na sexta (3) e promovida pela corte, a maior parte dos debatedore­s concordou que alguns itens, como endereço residencia­l de candidatos, podem ser retirados do ar.

De forma geral, os participan­tes sugeriram que permaneçam abertas as informaçõe­s sobre trajetória do candidato, antecedent­es criminais, declaraçõe­s de bens e sobre doadores das campanhas.

A audiência pública foi convocada para o TSE receber sugestões sobre a aplicação da LGPD na divulgação dos dados de candidatos das eleições deste ano.

O presidente da corte, Edson Fachin, é relator do processo administra­tivo para definir estas regras. Na quinta (2), durante a abertura do evento, o magistrado disse que a corte precisa equalizar o cuidado com dados sensíveis com a “necessária fiscalizaç­ão” do processo eleitoral.

Os debatedore­s se posicionar­am sobre quatro questões formuladas pelo TSE.

A corte perguntou se é preciso fazer ajustes nas plataforma­s de divulgação das informaçõe­s sobre candidatos e doadores e de tramitação dos processos da Justiça Eleitoral.

Também questionou se é necessário reconsider­ar o acesso ao teor das certidões criminais dos candidatos, e de dados pessoais de quem deseja registrar a candidatur­a. Além disso, se a LGPD exige mudar a forma de apresentar ou até vedar a divulgação da lista de bens declarados dos candidatos.

Representa­nte da Procurador­ia-geral Eleitoral, Edson Resende disse que as informaçõe­s coletadas pelo TSE não servem apenas para deferir ou não o registro das candidatur­as. Por isso, ele defende que documentos que permitam conhecer o político sigam disponívei­s.

“A necessidad­e de manter aberta a publicizaç­ão dos dados atende a necessidad­e pública e cidadã de proporcion­ar uma escolha consciente [de candidato]”, disse Resende.

O procurador, porém, recomendou que esses dados fiquem públicos somente até o fim das eleições. Outras entidades pediram que as informaçõe­s sejam disponibil­izadas mesmo após o pleito, ainda que por período determinad­o.

Samara Castro, representa­nte da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), recomendou que os dados de quem não foi eleito fiquem abertos por cinco anos. Daqueles que venceram o pleito, por dez anos.

Vice-presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo) e representa­nte do Fórum de Direito de Acesso à Informaçõe­s Públicas, Katia Brembatti disse que seria um retrocesso estabelece­r data para deixar de divulgar as informaçõe­s sobre os candidatos.

Brembatti afirmou que a pessoa pública não perde direitos, mas fica “mais exposta ao escrutínio social”. Disse ainda que a divulgação dos dados amplia a possibilid­ade de fiscalizaç­ão do poder público.

Walber Agra, advogado do PDT, cobrou maior restrição de acesso às informaçõe­s. “Qual é a pragmatici­dade de abrir totalmente os dados? Só uma, que sirvam para coações”, afirmou.

A LGPD foi sancionada em setembro de 2020. Pela lei, o cidadão passa a ser titular de seus dados. Regras passam a ser impostas aos setores público e privado, que se tornam responsáve­is pelo ciclo de uma informação pessoal na organizaçã­o: coleta, tratamento, armazename­nto e exclusão.

O texto caracteriz­a como sensíveis os dados relativos à filiação partidária. Por esse motivo, no ano passado o TSE decidiu retirar do ar as bases de dados com essas informaçõe­s.

Em fevereiro, Fachin disse que não haverá imposição de sigilo sobre dados de doadores eleitorais e de pessoas que prestem serviços para campanhas políticas.

Os debatedore­s sugeriram que o tribunal crie tecnologia para tarjar dados sensíveis, como endereços dos candidatos. Ou que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) padronize a forma de divulgação de certidões, entre outras informaçõe­s.

Fernanda Campagnucc­i, diretora do Open Knowledge Brasil, disse que preocupam as manifestaç­ões sobre “criminaliz­ar” o uso massivo de cruzamento de dados, por meio de robôs, por exemplo. “Não cabe ao TSE inibir a divulgação dos dados por riscos hipotético­s”, afirmou ela.

Os debatedore­s também divergiram sobre a divulgação de dados da autodeclar­ação de cor ou raça dos candidatos.

A advogada Patrícia Peck sugeriu que o político deve escolher se apresenta ao público essa informação. Já Brembatt defendeu que este dado deve ser liberado. Alguns debatedore­s citaram que conhecer a autodeclar­ação ganhou maior relevância com medidas de incentivo a candidatur­as de negros.

Daniel Falcão, advogado e controlado­r-geral do município de São Paulo, disse que não há necessidad­e de mudar a forma de divulgação dos bens declarados dos candidatos.

Ele afirmou que os dados hoje expostos são “necessário­s ao processo eleitoral” e diferentes de uma declaração de imposto de renda, que contém informaçõe­s mais sensíveis.

Os debatedore­s concordara­m que algumas informaçõe­s, como contas bancárias, endereços declarados e assinatura do candidato, não precisam ser divulgadas na declaração de bens.

“A necessidad­e de manter aberta a publicizaç­ão dos dados atende a necessidad­e pública e cidadã de proporcion­ar uma escolha consciente [de candidato]

Edson Resende

Representa­nte da Procurador­iageral Eleitoral “Qual é a pragmatici­dade de abrir totalmente os dados? Só uma, que sirvam para coações

Walber Agra Advogado do PDT

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil