Folha de S.Paulo

EUA tentam aliviar frustração de palestinos sobre consulado

Biden deve nomear enviado enquanto não cumpre promessa de campanha

- Diogo Bercito

O governo de Joe Biden tem tentado apaziguar a crescente frustração das autoridade­s palestinas, que esperam que o presidente cumpra a promessa de reabrir um consulado em Jerusalém. A tarefa de agradar os palestinos, porém, esbarra nas expectativ­as de Israel, um país com o qual os Estados Unidos vivem hoje um momento de excepciona­l afabilidad­e.

Os americanos tinham um consulado em Jerusalém para representa­ção junto aos palestinos. Quando, em 2018, o então presidente Donald Trump transferiu a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, ele fechou o escritório. O gesto foi importante porque sinalizou apoio a israelense­s na disputa com palestinos na cidade que os dois lados consideram sua capital.

Foi também um símbolo do rebaixamen­to dos palestinos nas prioridade­s americanas.

Biden venceu as eleições em 2020 e, desapontan­do a Autoridade Nacional Palestina, nunca reabriu o consulado. Ned Price, porta-voz do Departamen­to de Estado, repetiu a promessa na terça (31) e negou que tenha sido abandonada. No mesmo dia, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, reiterou a cobrança em telefonema a Antony Blinken, responsáve­l pela diplomacia —ele já havia pedido a reabertura do escritório em março, numa reunião presencial.

Abbas disse esperar que Biden transforme palavras em ações, segundo a agência de notícias estatal palestina Wafa. Não há, porém, data para a eventual inauguraçã­o nem indícios de que Biden tenha feito algum gesto concreto.

Circulam, nesse meio-tempo, rumores de que os EUA podem tomar medidas temporária­s para afagar os palestinos. O jornal Times of Israel, por exemplo, afirmou no último dia 29 que Biden deve nomear Hady Amr, de origem libanesa, como enviado especial para assuntos palestinos.

A ideia é que a embaixada americana em Israel, que Trump transferiu para Jerusalém, deixe de cuidar de temas ligados aos palestinos. Esses seriam tratados pela equipe de Amr, com base em Washington, incrementa­ndo a representa­ção diplomátic­a sem reabrir o consulado. De acordo com o jornal, citando diplomatas, o arranjo existe mas não foi formalizad­o. A ideia é fazer o anúncio antes da viagem de Biden à região, prevista para o fim de junho.

“Há uma tremenda frustração entre os palestinos”, diz à Folha Ghaith al-omari, analista sênior do Washington Institute. Ex-conselheir­o de Abbas para relações com os EUA, ele afirma que a nomeação de Amr é vista como meia-medida. O nome do servidor circula bem entre palestinos e ele é visto como justo na mediação das desavenças, “mas não tem o mesmo peso diplomátic­o que reabrir o consulado”.

A liderança palestina tem poucas saídas hoje, além de continuar a expressar seu desgosto. Biden tampouco tem muitas opções. Os israelense­s interpreta­riam o consulado como uma sinalizaçã­o de que os americanos enxergam Jerusalém como possível capital de um Estado palestino — ideia que a eles causa horror.

Os EUA não querem desagradar Israel, em parte porque os países vivem hoje um momento excepciona­l. “A relação entre o governo de Biden e o do primeiro-ministro Naftali Bennett está fortíssima”, afirma Dov Waxman, professor na Universida­de da Califórnia em Los Angeles. “É impression­ante, se você comparar com o amargor e as disputas vistas entre Barack Obama e Binyamin Netanyahu.”

Nesse contexto, afirma Waxman, a possível nomeação de Amr como enviado especial seria uma maneira de “apaziguar a frustração palestina sem prejudicar as relações americanas com Israel”.

Há ainda mais um fator no cálculo de Washington. A reabertura do consulado poderia causar reações tão fortes que ameaçariam a frágil coalizão que mantém Bennett no poder —e Netanyahu fora dele. “O governo Biden prefere o premiê atual e sabe que, se pressionar muito com o tema do consulado, essa coalizão pode se desintegra­r, o que seria uma escolha ruim”, afirma Eytan Gilboa, professor de relações internacio­nais na Universida­de Bar-ilan, em Israel.

A aliança, que reúne siglas da esquerda à ultradirei­ta, incluindo parlamenta­res de origem árabe, registrou defecções e sofreu abalos, em meio a críticas pela ação das forças de segurança em confrontos recentes com palestinos.

Como os demais ouvidos pela Folha, Gilboa diz não acreditar que os EUA reabram o consulado em Jerusalém nos próximos meses. Biden deve continuar a priorizar as boas relações com Israel e se debruçar sobre o que o professor descreve como as questões urgentes da diplomacia americana na região: o acordo nuclear com o Irã e os Acordos de Abraão entre Israel e países árabes.

“O tema dos palestinos é o menos importante, hoje.”

“O governo Biden prefere o premiê atual [Bennett, em relação a Netanyahu] e sabe que, se pressionar muito com o tema do consulado, essa coalizão pode se desintegra­r, o que seria uma escolha ruim

Eytan Gilboa professor de relações internacio­nais na Universida­de Bar-ilan, em Israel

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