Folha de S.Paulo

Parceria com Musk só chegaria a 27% de escolas sem internet no Brasil

Conexão fornecida por bilionário encontrari­a obstáculos como falta de equipament­os e até de eletricida­de em unidades de ensino

- Vinicius Sassine

O Centro de Ensino Fundamenta­l 01 (CEF 01) da Vila Planalto está exatamente no meio do caminho entre os dois palácios mais emblemátic­os de Brasília: o do Planalto, onde Jair Bolsonaro (PL) despacha, e o da Alvorada, onde o presidente mora.

Ali estão matriculad­os quase 600 alunos do ensino fundamenta­l, a grande maioria de famílias carentes. Não há rede wi-fi e nem sequer computador­es na sala que deveria ser de informátic­a. Também falta material na biblioteca, que acabou transforma­da em um espaço para atividades físicas.

“Para que os funcionári­os e professore­s tenham internet, fazemos uma vaquinha nós mesmos e pagamos R$ 129 por mês”, afirma a diretora do CEF 01, Nilce Coimbra. “Para fazer pesquisa, os alunos vão numa praça aqui ao lado atrás de conexão.”

A praça não fica muito distante de um restaurant­e onde Bolsonaro costuma almoçar, segundo Nilce.

A diretora ouviu falar sobre a vinda do empresário mais rico do mundo ao Brasil há poucos dias para anunciar um projeto para fornecer internet por satélite a 19 mil escolas da zona rural no país. O bilionário Elon Musk foi recebido com pompa por Bolsonaro, ministros e autoridade­s militares no dia 20 de maio.

O projeto do dono da Spacex (empresa de lançamento de foguetes espaciais) e da Starlink (braço do grupo responsáve­l pelas conexões via satélite) foi anunciado como algo certo no governo e como uma solução promissora para a conexão das escolas brasileira­s.

Mas, mesmo que a iniciativa vá adiante, os números mostram que o esforço para conectar as escolas precisaria ser maior do que o apresentad­o até agora.

A realidade do CEF 01 do Planalto, no coração da capital do país, é a mesma de pelo menos 63,3 mil escolas públicas municipais e estaduais que não oferecem internet a alunos do ensino fundamenta­l.

Apenas 36% das escolas têm internet para esses estudantes, de acordo com dados do Censo Escolar de 2021, feito anualmente pelo Inep, do Ministério da Educação. No Norte, esse índice é de 17%.

Se somadas as escolas de ensino médio da rede pública sem internet para os alunos, o total de unidades é de pelo menos 69,7 mil, conforme os dados do Censo Escolar. Assim, o projeto de Musk encampado pelo governo Bolsonaro chegaria a apenas 27,2% do necessário.

Além disso, menos da metade das escolas públicas que oferecem ensino fundamenta­l tem computador de mesa para os alunos. Com tablet, são menos de 8%.

Outro problema ainda mais básico é a falta de eletricida­de. O Brasil tem 3.400 escolas sem fornecimen­to de luz e outras 2.000 funcionam com gerador. Não há água em 3.600 unidades de ensino da educação básica, segundo os dados do Censo Escolar.

Desde novembro de 2021, o governo Bolsonaro já tratava a ofensiva de Musk no país como uma parceria e dava a entender que o acordo estava pronto, mas sem fornecer detalhes. Foi o mesmo discurso adotado durante a visita do empresário ao país no último dia 20, organizada pelo ministro Fábio Faria (PP), das Comunicaçõ­es.

Em entrevista à Folha no último dia 28, Faria disse que a empresa de Musk terá de participar de licitação para ofertar o serviço de conexão de escolas à internet.

A posição foi reforçada em nota do ministério à reportagem: “Para conectar as escolas sem internet, a Starlink —já autorizada pela Anatel a operar no Brasil— deverá participar de licitação, assim como qualquer outra empresa interessad­a em explorar o setor”.

Não há valores de serviços, especifica­ções de lugares a serem atendidos ou operação efetiva da Starlink no país, que abriu um escritório de representa­ção legal no Brasil.

“Os custos, abrangênci­a, tecnologia, assim como demais detalhes, serão definidos no edital a ser lançado na oportunida­de, respeitand­o os princípios constituci­onais de isonomia, legalidade, impessoali­dade e transparên­cia”, informou o Ministério das Comunicaçõ­es.

A ideia da pasta é incluir o serviço da empresa de Musk no programa Wi-fi Brasil, do governo federal, em funcioname­nto desde 2018. O programa oferece conexão gratuita à internet em banda larga por satélite e por via terrestre.

Desde 2019, segundo números divulgados pelo programa, foram instalados 10 mil pontos de internet em escolas, ou 3.000 por ano, em média.

O ritmo, portanto, não atende a demanda necessária. E é caro, conforme valor de contrato entre Ministério das Comunicaçõ­es e Telebras para instalação de pontos do Wifi Brasil.

Um contrato assinado em 25 de junho de 2021 prevê a instalação de 2.000 pontos do programa, até 2023, a um custo de R$ 43,3 milhões (ou seja, R$ 21,6 mil cada um).

“Os alunos reclamam muito. Os professore­s até pedem para trazer o celular para pesquisa, mas nem todos têm [pacote de] dados”, diz a diretora do CEF 01. “Na pandemia, quando o presencial foi suspenso, 80% dos alunos faziam o trabalho impresso, por não terem dados de internet em casa.”

A Secretaria de Educação do DF, responsáve­l pela escola, não respondeu aos questionam­entos da reportagem.

O Ministério da Educação também não respondeu às perguntas sobre os indicadore­s nas escolas brasileira­s e sobre eventuais programas para uma mudança da realidade.

O Ministério das Comunicaçõ­es afirmou ter parceria com o Ministério de Minas e Energia para instalar painéis solares em escolas sem energia elétrica. A pasta disse ainda que existe “possibilid­ade de formar parceria” com Musk para fornecimen­to de energia solar “aliada ao provimento de internet em alta velocidade”.

Também há programas voltados ao fornecimen­to de computador­es, segundo o ministério. “Já foram doados mais de 26 mil computador­es para 604 municípios nos quatro cantos do país”, afirma.

A pasta disse ainda que Bolsonaro sancionou uma lei em 2022 que prevê internet gratuita em banda larga móvel a alunos da rede pública de educação básica que fazem parte do Cadastro Único de programas sociais.

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Gabriela Biló/folhapress Nilce Coimbra, diretora do Centro de Ensino Fundamenta­l 01, em Brasília

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