Folha de S.Paulo

Pandemia foi brutal para a Wework, mas home office não é nosso concorrent­e

Empresa de escritório­s compartilh­ados vê número de clientes no Brasil bater recorde e maior procura por grandes companhias

- Thiago Bethônico

Brutal. É assim que Claudia Woods, CEO da Wework na América Latina, define o impacto da pandemia nos negócios da empresa. Em tempo relâmpago, a companhia de escritório­s compartilh­ados viu sua taxa de ocupação despencar mais de 80% devido a uma crise que desarranjo­u o mundo do trabalho.

Passado o pior momento da emergência sanitária, a Wework diz estar retomando o impulso, com cresciment­o das vendas e número recorde de clientes no Brasil. Diante do bom cenário, até as pazes com o trabalho remoto a empresa fez.

Segundo Woods, o home office não é um concorrent­e, mas um modelo complement­ar ao da Wework.

“A empresa que adota uma política de trabalho 100% remoto ainda assim precisa se reunir com seus funcionári­os de vez em quando. Ela precisa fazer uma reunião de planejamen­to, happy hour, treinament­o”, diz.

Em entrevista à Folha, a executiva —que também foi CEO da Uber no Brasil— conta como conseguiu romper com o “teto de vidro”, termo que se refere à barreira invisível que impede as mulheres de subir na carreira.

Ela diz que chegou a desenvolve­r táticas com colegas para fugir de situações como interrupçõ­es e mansplaini­ng — quando um homem explica coisas óbvias para a mulher, inclusive sobre assuntos que ela domina.

No cargo mais alto da Wework na América Latina desde maio de 2021, Woods encampou a diversidad­e como uma de suas bandeiras. Hoje, 54% do quadro de colaborado­res da companhia na região é composto por mulheres.

“Se a empresa não olhar o processo de recrutamen­to e não criar travas, vai continuar colocando para dentro só uma maioria de homens, porque é mais fácil, os networking­s são mais estabeleci­dos”, afirma.

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Você chegou na Wework em 2021, durante uma pandemia que provocou uma disrupção enorme nas formas de trabalho. Qual foi o impacto nos negócios da Wework?

O impacto foi brutal. A empresa viu uma queda de ocupação e, consequent­emente, de receita de mais de 80% num tempo relâmpago.

Passamos por várias fases. A primeira é uma fase de apoio aos membros, porque, ao mesmo tempo que estávamos sendo impactados, as empresas dentro dos nossos prédios também estavam.

Imagine a quantidade de membros que viram a receita caindo e ligaram desesperad­os falando que não tinham dinheiro para pagar o aluguel. Essa etapa de dar apoio e renegociar os contratos foi muito importante.

A segunda etapa, como todas as outras empresas impactadas, foi a redução de custo. O prédio ia ficar vazio, então isso envolvia desde desligar a energia elétrica até organizar o sistema de limpeza. Chegou a este nível: de entender como reduzir a frequência de limpeza, preservand­o o piso, o mobiliário e todo aquele ambiente.

A etapa 3 é a retomada. Aqui no Brasil já vemos o negócio retomando, numa ótica de cresciment­o de vendas. Já estamos há 18 meses no positivo. Nós fechamos esse primeiro trimestre com a maior receita vendida dos últimos 12 meses, mas, principalm­ente, com o número de clientes do Brasil sendo o maior da história.

Também vemos uma grande mudança no perfil de empresas que procuram a Wework. Começamos com uma atrativida­de muito grande para startups, que eram, mais ou menos, 50% do nosso quadro de membros. Agora, no pós-pandemia, já vemos grandes empresas representa­ndo mais de 60%.

Isso simboliza como todas as empresas estão ressignifi­cando a forma como suas equipes vão trabalhar.

O home office então não é um concorrent­e da Wework?

Não, pelo contrário. Na verdade, vemos o home office como algo complement­ar.

Se alguém está no home office, não necessaria­mente vai querer estar todo dia.

A empresa que adota uma política de trabalho 100% remoto ainda assim precisa se reunir com seus funcionári­os de vez em quando. Ela precisa fazer uma reunião de planejamen­to, happy hour, treinament­o... A Wework acaba sendo um complement­o perfeito disso. Hoje, nós já trabalhamo­s muito com o formato de alugar uma sala de reunião por hora ou por dia.

Tivemos que criar essa flexibilid­ade, revisitar os nossos produtos para realmente criar um ambiente onde esses formatos funcionem e sejam simples de contratar.

Recentemen­te, o CEO do Airbnb disse em entrevista à Folha que, se o escritório não existisse, não iríamos inventá-lo da forma como ele é hoje. Como você acha que vai ser o local de trabalho daqui a 15 anos?

Imagino que não vai ter mesas. Esse mundo de chegar ao trabalho e sentar à mesa, acho que acaba. Já está bem reduzido, né? Mas a mudança principal é o propósito do trabalho.

Por que eu estou indo para um escritório hoje? É para ter um lugar em silêncio para trabalhar, porque meus cinco filhos estão gritando no meu ouvido? Pode ser, e aí eu vou precisar, naquele dia, de uma mesa ou de uma cabine.

Eu acho que, mais e mais, os escritório­s serão ambientes colaborati­vos. Serão salas com vários quadros, salas de descontraç­ão, ambientes de treinament­o... Talvez muito lúdico, onde você consiga usar ferramenta­s de metaverso, hologramas, ambientes de interação 3D, simulação.

Cada vez mais, o momento do escritório será para as coisas que o profission­al realmente se beneficia fazendo em conjunto. O momento de home office será para esse momento de trabalho individual.

Você é uma das poucas mulheres no comando de uma grande empresa no Brasil. Como foi romper com essa barreira?

Já tem muito tempo que eu estou num cargo sênior e de alguma forma eu me acostumei com uma carreira em que olhava para cima e nunca via outra mulher. Esse sempre foi meu habitat natural.

Quando eu cheguei à Wework, a quantidade de mensagens que eu recebi de mulheres falando sobre a importânci­a de olhar para cima e ver outra mulher foi enorme.

Eu nunca tive esse privilégio. Trabalhei a minha vida inteira com chefes homens, nunca tive uma mentora feminina que me ajudasse a navegar de uma forma direcionad­a, entendendo quais são os vieses inconscien­tes, quais eram as batalhas que eu deveria comprar e quais eu não deveria. Mas eu tive o privilégio de ter muitos sponsors [patrocinad­ores] ao longo da minha carreira. Muitos homens que enxergavam valor no meu trabalho.

Eu tive a sorte de ter alguns que, nos momentos mais críticos —onde eu realmente senti que tinha chegado no famoso teto de vidro—, essas pessoas me ajudaram. Ajudar é uma palavra que passa até uma conotação pejorativa, de “vem aqui que eu vou te ajudar”, mas não foi nesse sentido. Foi realmente muito estratégic­o e tático.

Estratégic­o no sentido de entender quem são os stakeholde­rs que estão “na mesa”, quais podem querer me deixar para trás por algum motivo. Com esse mapeamento feito, nós íamos para o tático. Era algo do tipo: se alguém interrompe­sse ou começasse com um mansplaini­ng, esse sponsor entrava junto, puxava a pergunta e devolvia para mim.

Nos momentos mais críticos —de romper a barreira de gerente para diretora e depois para CEO—, isso fez muita diferença.

Ainda existe, dentro do ambiente corporativ­o, alguns atributos profission­ais que são vistos como pejorativo­s para uma mulher, mas não para um homem?

Eu adoraria responder que hoje em dia não existe mais essa distinção, mas eu estaria falando do topo da pirâmide das empresas, que tem essa autoconsci­ência de comportame­nto, que tem suas redes de denúncia muitos estruturad­as, grupos de apoio, metas de diversidad­e etc.

Infelizmen­te, quando olhamos para o universo de empresas no Brasil e no mundo, ainda é muito baixo o volume de empresas que têm esse nível de consciênci­a.

Mas eu acho que alguns atributos não são mais aceitos para nenhum dos dois gêneros. Um homem entrar numa reunião e xingar alguém, baixar o nível ou faltar com respeito, não é aceito da mesma forma. A diferença é a repercussã­o. Isso ainda é muito diferente.

O homem talvez receba outro homem gritando para abaixar o tom. A mulher terá um processo que não vai ser tão facilmente resolvido ali. E depois fica com o famoso carimbo de que a pessoa perde o controle. O homem não fica tachado, porque é algo mais comum.

Estamos evoluindo muito rapidament­e para que a exigência desse comportame­nto seja parecida, mas ainda temos que evoluir muito. As mulheres ainda sofrem consequênc­ias de médio prazo em razão de um momento de explosão comparado com os homens.

Isso mostra que inclusão não é só permitir que as mulheres acessem determinad­os cargos. É também uma mudança de comportame­nto para que elas, nessas funções, sejam tratadas de forma equânime. Como isso pode ser resolvido?

Enquanto não existirem mais mulheres na liderança, isso vai demorar muito mais. A forma mais rápida de acelerar isso é tendo uma paridade maior dentro da sala. Da mesma forma que um homem pode se sentir superconfo­rtável falando para outro abaixar o tom, eu vou me sentir superconfo­rtável falando isso com a minha xará.

Para mim, esta é a resposta número 1: temos que aumentar a paridade em todos os níveis.

A forma como eu venho trabalhand­o esse assunto na minha carreira há mais de dez anos é que todo o trabalho de equidade precisa atuar em três grupos. O primeiro é olhando para dentro. Como é que estão os meus números? Isso parece uma sutileza, mas é muito comum você perguntar a proporção de homens e mulheres e a empresa não saber.

Eu também acredito que somos seres movidos a metas. Se uma empresa não colocar esse tema na mesma cesta de receita, Ebitda, cresciment­o, vai ficar sempre em segundo plano.

Depois vem um trabalho muito diligente de operação. Porque, se os processos não são revisados e a liderança muda, a empresa volta para onde estava. A única forma que a empresa não volta é criando um processo onde esse tema faça parte dos OKRS [sigla em inglês para objetivos e resultados-chave].

Se a empresa não olhar o processo de recrutamen­to e não criar travas, vai continuar colocando para dentro só uma maioria de homens, porque é mais fácil, os networking­s são mais estabeleci­dos.

Hoje a Wework já tem uma maioria de mulheres em todos os nossos países. Quando olhamos para o C-level [cargos executivos de uma companhia], esse número é absurdo.

Eu sou a CEO da América Latina. A CEO regional que cobre a Argentina, Chile, Colômbia e Costa Rica é mulher. A CEO na Argentina é mulher. A CEO no Chile é uma mulher. Isso foram mudanças que a Wework fez depois da minha chegada. Foram cargos que identifica­mos que precisavam mudar e fomos atrás especifica­mente de uma liderança feminina.

Como estender esses conceitos e princípios de diversidad­e para as empresas que estão dentro da Wework?

Esse é um trabalho que estamos começando agora. O mais importante é promover um ambiente respeitoso. Impor que a empresa que está dentro da Wework tenha mais de 50% de mulheres vai muito além do meu papel. Acho que ainda seria muito audacioso falar que uma empresa dentro da Wework tem que mudar a paridade.

A etapa número 1 é olhar para o ambiente de trabalho. Como a essência da Wework é a troca que acontece entre membros dentro dos prédios, o primeiro passo é realmente garantir que você chegue lá e seja tratado com respeito. Que você esteja na área comum e não receba uma cantada, que você não seja tratado de forma desrespeit­osa por um funcionári­o ou outro membro.

Essas pessoas precisam de um lugar para falar que foram desrespeit­adas. Essa é a minha prioridade neste quarto do ano. Isso começa com ferramenta­s e tem uma parte processual muito importante, que envolve garantir o sigilo da informação, ter uma equipe preparada para fazer a investigaç­ão...

A denúncia sem aprofundam­ento não vira uma melhoria. Pode até virar uma ação —no caso extremo, expulsar o membro ou demitir o funcionári­o—, mas não vira uma melhoria.

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Formada em economia pelo Bowdoin College, nos Estados Unidos, e mestre em marketing e estratégia pela UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), Claudia Woods foi CEO da Uber no Brasil e, atualmente, é CEO da Wework na América Latina. Em 2020, foi nomeada uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela Forbes e, em 2021, umas das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg
Bruno Santos/folhapress Claudia Woods, 46 Formada em economia pelo Bowdoin College, nos Estados Unidos, e mestre em marketing e estratégia pela UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), Claudia Woods foi CEO da Uber no Brasil e, atualmente, é CEO da Wework na América Latina. Em 2020, foi nomeada uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela Forbes e, em 2021, umas das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg

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