Movimento quer decrescimento econômico
Adeptos do ‘degrowth’ defendem que retração é o único caminho para salvar o planeta da catástrofe climática
“Quem acredita que o crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito ou é louco ou é um economista.” A autoironia do americano Kenneth Boulding está na essência de um movimento que quer rivalizar com o atual paradigma econômico global: o degrowth.
O termo —que em português significa decrescimento— é autoexplicativo. Para os adeptos, é preciso abandonar a expansão da economia como um objetivo político e aceitar que a retração é a única forma de salvar o planeta de uma catástrofe climática.
O modelo guarda certa proximidade com o ecossocialismo e vem ganhando espaço no debate ambiental.
Em 2019, mais de 11 mil cientistas assinaram uma carta pública alertando sobre os desafios do clima e defendendo uma mudança de paradigma. “Nossas metas precisam mudar do crescimento do PIB e da busca da riqueza para sustentar os ecossistemas e melhorar o bem-estar humano, priorizando as necessidades básicas e reduzindo a desigualdade”, diz o texto.
Figuras políticas também já declararam apoio às ideias do degrowth, como o ministro do Consumo da Espanha, Alberto Garzón, e alguns partidos verdes da Europa.
Atualmente, um dos principais pensadores desse movimento é o antropólogo Jason Hickel, autor do livro “Less Is More: How Degrowth Will Save the World” (menos é mais: como o decrescimento vai salvar o mundo).
Segundo ele, não é possível conciliar expansão econômica e o fim das mudanças climáticas. Nem mesmo uma rápida guinada verde —com empresas e governos adotando princípios ambientais e sociais rigorosos— seria capaz de impedir um destino trágico para a humanidade.
“A evidência empírica é clara de que não é viável descarbonizar rápido o suficiente para ficar abaixo de 1,5ºc se os países ricos continuarem buscando o crescimento”, diz, em entrevista à Folha.
Numa era de emergência ecológica, ele diz que não podemos nos dar ao luxo de construir políticas em torno de fantasias.
Para o antropólogo, a recente febre ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) tampouco tem sido impactante.
“[O ESG] trouxe algumas pequenas mudanças aqui e ali, mas esse tipo de ajuste nas bordas não vai resolver realmente. Nos piores casos, é apenas greenwashing.”
Hickel define o degrowth como uma redução planejada do uso de energia e de recursos em países de alta renda, como estratégia para rebalancear a economia e reduzir desigualdades.
“Trata-se de reduzir as formas de produção menos necessárias e concentrar a economia em atender às necessidades humanas e ao bemestar, em vez da acumulação de capital”, afirma.
Segundo ele, o foco são as nações ricas, principalmente Estados Unidos e Europa.
Na prática, o antropólogo defende diminuir as indústrias que considera ecologicamente destrutivas e socialmente menos necessárias, como combustíveis fósseis, fast fashion e até as SUVS. A obsolescência programada deveria ser proibida, e a publicidade, limitada.
Em contrapartida, o degrowth é a favor da expansão de setores como energias renováveis, saúde pública, agricultura regenerativa e serviços essenciais.
“Temos que transformar ativamente o sistema econômico para torná-lo mais ecológico e mais justo. Isso requer políticas fortes”, diz.
Uma das críticas ao movimento é que, embora bem-intencionado, ele acabaria prejudicando ainda mais os países pobres. No entanto, na visão de economistas que defendem o degrowth, isso não aconteceria necessariamente.
Hickel, por exemplo, questiona o atual arranjo econômico mundial, onde nações emergentes e menos desenvolvidas se dedicam a produzir o que os países ricos consomem. Segundo ele, esse “perfil exploratório” seria alterado.
A redução na produção das grandes potências criaria espaço no “orçamento global de carbono”, permitindo que os países mais pobres continuem crescendo.
De acordo com o antropólogo, o decrescimento econômico tampouco seria um entrave para garantir a alimentação e sobrevivência de uma população crescente.
Na visão dele, é possível proporcionar bons padrões de vida para 10 bilhões de pessoas com menos energia que o mundo atualmente usa. A questão está em organizar a produção de bens em torno das necessidades humanas, não do lucro corporativo.
O questionamento do movimento ao crescimento econômico tem um embasamento histórico. Durante os últimos 200 anos, o mundo ficou consideravelmente mais rico. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o crescimento foi ainda mais intenso —especialmente na Europa, EUA, Austrália e Nova Zelândia.
No entanto, apesar de avanços na mortalidade infantil, saneamento e alimentação, a maior parte do planeta continua pobre, com milhões de pessoas passando fome e sem acesso a recursos básicos.
Segundo os “degrowthers”, o crescimento econômico foi capturado por uma pequena elite, tornando-se pouco eficiente, injusto e antiecológico.
Além disso, uma grande parte dos recursos que a humanidade usa e depende é baseada em serviços ecossistêmicos limitados. Sendo assim, o crescimento econômico infinito num mundo finito seria, materialmente, impossível.
Assim, não é por acaso que o conceito tenha ganhado força com a crise climática.
“
Trata-se de reduzir as formas de produção menos necessárias e concentrar a economia em atender às necessidades humanas e ao bem-estar, em vez da acumulação de capital
Jason Hickel
antropólogo