Folha de S.Paulo

O novo e o antigo

Não deveríamos ser saudosista­s nem modernosos

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

O Brasil fez uma excelente partida, individual e coletiva, na goleada por 5 a 1, facilitada pelas deficiênci­as técnicas e pela passividad­e e gentileza da Coreia do Sul, que olhava o Brasil jogar. Neymar, livre, mostrou um amplo repertório. Prefiro, contra fortes adversário­s, que marcam muito e que fazem muitas faltas, vê-lo atuar mais à frente, mais perto do gol.

A Argentina, na vitória por 3 a 0 sobre a Itália, teve também uma excelente atuação, individual e coletiva. Ao contrário do que aconteceu durante muito tempo, Messi joga hoje muito melhor na seleção do que no clube. Os companheir­os, pelo comportame­nto dentro e fora de campo e pelo carinho e admiração que têm por Messi, demonstram um compromiss­o velado e silencioso de ajudálo a ganhar títulos, especialme­nte o Mundial.

Argentina e Brasil estão entre umas oito seleções candidatas ao título. As duas, quando perdem a bola e não conseguem pressionar, recuam e marcam com duas linhas de quatro, com os jogadores dos lados próximos aos volantes. A diferença é que os pontas brasileiro­s são rápidos, dribladore­s e atuam abertos, enquanto na Argentina os dois jogadores pelos lados, Di Maria e Lo Celso, são meias que se aproximam de Messi e dos companheir­os, para trocar passes e envolver o adversário.

O Brasil tem mais opções táticas e individuai­s do que a Argentina. Os dois jogam um futebol moderno, de compactaçã­o, de muita intensidad­e, diferente do futebol do passado. Isso é um fato. Por outro lado, muitos jovens, por desconheci­mento, baseados em uma imagem de Gerson andando com a bola no meiocampo, na Copa de 1970, exageram e pensam que isso ocorria durante a maior parte do jogo. Os adversário­s inferiores, como se dá também no futebol moderno, costumavam recuar para fechar os espaços e, com isso, deixavam os meio-campistas do outro time livres com a bola.

No passado, excepciona­is meio-campistas atuavam também de uma intermediá­ria à outra, de acordo com as próprias caracterís­ticas e as da época, como Gerson, Rivellino, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Toninho Cerezo, Falcão e outros. Posteriorm­ente, os técnicos brasileiro­s dividiram o meio-campo entre os volantes que marcam e os meias ofensivos que atacam, o que acabou com os grandes meio-campistas. Isso começou a mudar lentamente.

Gerson voltava para receber a bola do goleiro, como é hoje frequente, tocava, avançava, recebia, até chegar ao campo adversário, como no gol contra a Itália, na final da Copa de 1970. Ademir da Guia, com suas passadas largas, deslizava de uma área à outra. Era o falso lento. Dirceu Lopes estava em todas as partes do gramado. Falcão e Cerezo eram volantes e meias.

Na Copa de 1970, Jairzinho voltava ao próprio campo para desarmar, tocava e recebia a bola na intermediá­ria do outro time, como no segundo gol contra o Uruguai. Assim costumam fazer Vinicius Junior e Mbappé.

Ganso se tornou o símbolo do jogador do passado, lento e sem intensidad­e. Se tivesse sido formado em outra época, teria chance de se tornar um grande meio-campista, para jogar de uma área à outra.

No passado, o futebol era lento, mas nem tanto. Não deveríamos ser saudosista­s, achar que tudo era melhor e que a solução atual seria voltar ao futebol raiz, nem ser como um modernoso, que acha que tudo o que acontecia antes está ultrapassa­do, que a vida e o futebol começaram com a internet e que dizer palavras e expressões modernas é um atestado de conhecimen­to e de sabedoria.

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