Folha de S.Paulo

NOSSO ESTRANHO AMOR

Victoria, Ricardo e a vacina do amor

- Chico Felitti folha.com/nossoestra­nhoamor

Quando a aluna de medicina Victoria Guedes foi aplicar a primeira dose da vacina contra a Covid-19 no seu veterano de curso Ricardo Pizarro, em maio de 2020, ela fez uma piadinha. Mirou a agulha em uma tatuagem que ele tinha no braço e mandou um: “Vai bem no olho do Buda”. A piada era de caso pensado.

Victoria já estava de olho no ex-surfista há anos. Ele estava um semestre acima dela no curso, mas aquela era sua primeira interação. “Eu não tinha contato com ele, mas achava lindo.” Em 2020, uma amiga dela estava de papo com um amigo dele. E Victoria foi ligeira. Perguntou para o crush da amiga qual era a de Ricardo. O amigo dele respondeu em um áudio de Whatsapp: “Surfista da Barra, só pensa em academia e em vida saudável. Não vai pra festa. E é muito seletivo”. Victoria pegou mal com a última parte da mensagem. Pensou “Ah, vá pra pqp, seletivo”, e seguiu em frente. Um ano depois, os dois calharam de estar no mesmo lugar: o Sambódromo do Rio de Janeiro. Era lá que estudantes de medicina voluntário­s ajudavam em uma das primeiras levas da campanha de vacinação. Victoria era uma das pessoas que chefiava os alunos. Colocou Ricardo para ficar em pé, sob o sol, ajudando a coordenar as filas. E, no fim do dia, era chegada a hora de ele tomar a vacina. Quando o viu esperando para tomar a primeira dose, ela intercedeu. Tirou da frente o amigo que ia aplicar nele a inoculação. E tinha um motivo justo para isso. “Caraca, peraí, eu vou perder a chance de pegar no braço do menino bonito?” Não perdeu.

Foi ela que aplicou a dose. E, depois da piada da tatuagem, ainda conseguiu meter um segundo galanteio. Disse: “Se todos os velhinhos que vêm vacinar tivessem esses músculos, tava tudo bem”. Ele riu e brincou de volta que ele tinha sido alocado no trabalho mais ingrato daquele ponto de vacinação: “Você me deixou duas horas no sol”. Ela riu.

Na hora de ir embora do Sambódromo, Victoria pediu carona para um colega. O amigo explicou que estava com o carro de outra pessoa. Que calhou de ser Ricardo. E os dois foram embora juntos, num carro cheio. Durante o trajeto, pintou a ideia de marcarem uma trilha para o fim de semana. Todos toparam.

Quando ela chegou em casa, se deparou com uma mensagem de um número desconheci­do no Whatsapp: “Vamos fazer aquela trilha!”. O perfil que mandou não tinha foto, então ela nem se incomodou de responder. Na mesma noite, ela foi no date com um rapaz.

O fim de semana veio e ela descobriu que o número da mensagem desconheci­da era de Ricardo. Fizeram em turma a tal trilha, no Parque Nacional da Tijuca. Enquanto andavam pela natureza, houve um momento em que ficaram sozinhos. E ela começou a reclamar da vida sentimenta­l. “Eu tava reclamando que meu passado amoroso era uma merda, daí ele virou e disse ‘Mas comigo não vai ser’.” E veio o primeiro beijo.

Seria o primeiro de muitos beijos. Nos próximos dias, Victória desmarcou compromiss­os para sair com o menino. E começaram a namorar.

“Eu brinco que nós somos dois reabilitad­os. Eu era uma adolescent­e que aprontou tudo o que tinha para aprontar. Cheguei na faculdade, já não era muito de ir em festa, sabe?”. Por mais que ela tenha 24 anos e ele 25, os dois se consideram veteranos. “A gente ficou meio mala, meio chato.”

Em 2022, ela está no nono período do curso. Ele está no décimo. Mas os dois não se cruzam mais com frequência no campus Città da faculdade Estácio de Sá, porque chegaram na altura do curso em que têm de fazer internato em hospital. E cada um deles caiu em uma região diferente da cidade. Ricardo, desde que se apaixonou por Victória, começou a brincar com os amigos que ela colocou uma poção do amor na vacina. “Ele é a primeira pessoa que eu tive vontade de me casar. Quando eu contei isso para a minha terapeuta, ela pirou”, ela ri. E o que começou com uma picada pode em breve acabar no altar.

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