Folha de S.Paulo

Há 50 anos, diplomacia ambiental estreava sob resistênci­a brasileira

Conferênci­a de Estocolmo, que originou o Dia Mundial do Meio Ambiente, opôs países ricos e em desenvolvi­mento

- Ana Carolina Amaral

Palco de estreia da diplomacia ambiental há 50 anos, a Conferênci­a de Estocolmo alavancou a relevância do meio ambiente para um patamar estratégic­o nas relações internacio­nais.

Na capital sueca, a ONU reuniu representa­ntes de 113 países dos dias 5 (que viria a se tornar a partir dali o Dia Mundial do Meio Ambiente) a 16 de junho de 1972. O evento criou o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e aprovou uma declaração com 26 princípios — entre eles, prevenir a poluição, reduzir o lançamento de metais pesados na natureza e controlar pesticidas agrícolas.

O impulso para a mobilizaçã­o global vinha de desastres ecológicos das últimas décadas, principalm­ente em países desenvolvi­dos, como a contaminaç­ão por mercúrio na cidade japonesa de Minamata.

A bandeira levantada pelos países desenvolvi­dos, porém, causou desconfian­ça no bloco dos países em desenvolvi­mento, que almejavam agendas de cooperação econômica.

A conferênci­a buscou traçar uma rota de união entre o meio ambiente e o desenvolvi­mento, discutidos conjuntame­nte até os dias atuais. A conexão entre as agendas foi uma exigência do Brasil —que ainda hoje reforça essa posição.

“A longo prazo, os próprios objetivos do desenvolvi­mento tornam-se ambientais por natureza”, disse o diplomata brasileiro Miguel Ozório em um seminário regional em 1971.

A posição ganhou o apoio dos países em desenvolvi­mento e foi levada adiante nas reuniões preparatór­ias de Estocolmo, como condição para que o evento contasse com participaç­ão global.

Sob o governo militar, o Brasil temia que um tratado ambiental impusesse limitações à sua soberania, à exploração do território e ao cresciment­o econômico —pungente naquele período a partir da expansão agrícola e industrial. Outros países em cresciment­o acelerado, como África do

Grupo de ambientali­stas em protesto perto do edifício do Parlamento sueco, em Estocolmo

Sul e Coreia do Sul, compartilh­avam desse receio.

“Houve uma negação da realidade impression­ante. O Brasil foi campeão. Liderava a concepção de que essa era uma agenda dos países ricos para manter na pobreza os países pobres”, afirma Eduardo Viola, professor de relações internacio­nais na Universida­de de Brasília e pesquisado­r do IEA-USP.

“Essa concepção era parte de um grupo que estava contra a agenda de Estocolmo. Hoje é diferente: o Brasil está em um extremo do negacionis­mo no mundo.”

Pressionad­o por manter regime autoritári­o e questionad­o sobre direitos humanos e proteção a terras indígenas, o país também buscava uma saída diplomátic­a.

“Existia, também, a percepção de que favorecer o cresciment­o

econômico de países totalitári­os agravava ainda mais os problemas nas áreas dos direitos humanos e ambiental”, afirma o embaixador André Corrêa do Lago no livro “Conferênci­as de Desenvolvi­mento Sustentáve­l”.

O autor —que chefiou a delegação brasileira em negociaçõe­s do clima entre 2011 e 2013— narra que havia receio dos países desenvolvi­dos sobre um possível bloqueio brasileiro à conferênci­a, mas sustenta que a intenção do Itamaraty era de fazer propostas.

A resistênci­a brasileira à agenda ambiental trazida pelos países desenvolvi­dos é avaliada como um erro histórico por setores ambientali­stas. No entanto, o entrelaçam­ento da pauta ambiental com a agenda do desenvolvi­mento prevaleceu na discussão internacio­nal nas décadas seguintes,

O livro da bióloga marinha americana Rachel Carson denuncia os impactos dos pesticidas e a desinforma­ção espalhada pela indústria química, impulsiona­ndo o movimento ambientali­sta.

1968 - Clube de Roma

O empresário italiano Aurelio Peccei, presidente da Fiat, reúne-se com cientistas e políticos para discutir o futuro da condição humana no planeta. Em 1972, o grupo publica o relatório “Os Limites do Cresciment­o”.

1972 - Conferênci­a de Estocolmo

Pela primeira vez, países reconhecem a responsabi­lidade de proteger o meio ambiente; ONU cria o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

1986 - Acidente de Chernobyl

A explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, leva à morte milhares de pessoas em decorrênci­a do contato com a radiação.

1987 - Relatório ‘Nosso Futuro Comum’

A Comissão Brundtland propõe o conceito de desenvolvi­mento sustentáve­l: “aquele que atende às necessidad­es do presente sem compromete­r a possibilid­ade de as gerações futuras atenderem às suas necessidad­es”.

1987 - Protocolo de Montreal

Países se compromete­m a eliminar a emissão de gases que destroem a camada de ozônio da atmosfera.

1988 - Painel do Clima

ONU cria o IPCC (Painel Intergover­namental sobre Mudança do Clima, na sigla em inglês).

1992 - Rio-92

Primeira conferênci­a da ONU sobre meio ambiente e desenvolvi­mento, no Rio, publica a Carta da Terra e cria as convenções do clima.

1997 - Protocolo de Kyoto

Primeiro acordo sobre mudança do clima é assinado e impõe metas de

 ?? Yukata Nagata/un Photo ??
Yukata Nagata/un Photo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil