Folha de S.Paulo

Parques nacionais ampliam estrutura de acessibili­dade

Trilhas suspensas, elevadores e bosques sensoriais estão entre os recursos

- VIDA PÚBLICA Tatiana Cavalcanti

Logo após ficar cego, há cerca de quatro anos, o dedetizado­r Leandro de Queirós Vieira, 45, visitou o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro. Graças a uma trilha sensorial recém-instalada ali, pôde experiment­ar com autonomia a variedade de fauna e flora que a mata atlântica oferece ao andar descalço pelo caminho verde, apoiado em corrimão de madeira.

Leandro sentiu o cheiro da natureza, tocou um espécime de pau-brasil, pisou na areia, em pedras, na grama, em folhas e em pétalas. “Parecia um tapete de veludo”, descreve.

A ação inclusiva faz parte de um movimento nacional para tornar a natureza brasileira um lugar mais acessível para públicos diversos, como crianças, pessoas mais velhas, pais com carrinhos de bebês e pessoas com deficiênci­a sensorial, física e intelectua­l.

Parques naturais não podem sofrer alterações que modifiquem caracterís­ticas do meio ambiente, então os gestores precisam promover as mudanças de forma sustentáve­l e criativa.

“Por isso são realizadas intervençõ­es com impacto mínimo, sempre pensando na proteção tanto da natureza quanto dos visitantes. Conseguimo­s manter a experiênci­a mais primitiva, próxima da natureza e, claro, mais acessível”, afirma Roberta Barbosa, coordenado­ra de planejamen­to, estruturaç­ão da visitação e do ecoturismo do ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade).

A coordenado­ra cita alguns parques nacionais que contam com estruturas acessíveis modelos, como o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE), tombado como patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, o Parque Nacional da Tijuca (RJ), que abriga a estátua do Cristo Redentor, a Chapada dos Veadeiros (GO), a Serra dos Órgãos (em Teresópoli­s, RJ) e o próprio Itatiaia, o primeiro parque nacional do país, que completa 85 anos.

“São pontes e trilhas suspensas, bosques sensoriais, rampas, veículos, elevadores, cadeiras adaptadas a pessoas com mobilidade reduzida para a prática de montanhism­o e passeios por trilhas, anfíbias [para serem usadas na água], e placas em braile, entre outros”, afirma ela.

Outra atração inclusiva do parque Itatiaia é a calçada da fauna, onde as pegadas de animais como onças, capivaras e antas são cravadas em 20 placas numa trilha. Ali crianças, adultos e idosos podem ter a dimensão do tamanho dos animais apenas com o toque.

“É uma forma de as pessoas cegas sentirem a profundida­de da pata de uma onça pintada ou de um gato do mato. Foi uma experiênci­a emocionant­e, muito interessan­te”, conta Vieira, uma das primeiras pessoas com deficiênci­a visual a visitar o bosque sensorial do Itatiaia.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) de 2019, o Brasil tem 17,3 milhões de brasileiro­s com algum tipo de dificuldad­e para ver, ouvir ou se locomover, ou seja, 8,4% da população do país.

Essas pessoas podem e devem ter os mesmos direitos de estar na natureza que qualquer outra, reforça Joice Tolentino, gerente de relações institucio­nais do Instituto Semeia, organizaçã­o que busca valorizaçã­o dos parques brasileiro­s.

“Se pensarmos que a acessibili­dade ainda está engatinhan­do no Brasil, esse dado do IBGE mostra um número elevado de pessoas do país que têm um contato limitado com a natureza ou, ainda, têm negada a oportunida­de de visitar parques naturais e não passam do portão de entrada”, diz Tolentino.

“Sem isso, elas perdem uma chance de desenvolve­r uma consciênci­a dessa riqueza natural para preservá-la”, completa a gerente.

Tolentino diz acreditar que o turismo sustentáve­l pode ajudar a preservar os parques e também a angariar investimen­to para ampliar ainda mais a acessibili­dade sem danificar a natureza.

“Os parques devem ser espaços para promover a diversidad­e e o encontro da comunidade. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas muitos avanços de inclusão já são notados”, avalia ela.

Mas o potencial de turismo é subaprovei­tado atualmente, segundo Tolentino. “O turismo sustentáve­l poderia ser mais explorado, isso iria beneficiar não só os usuários, como os próprios parques. Todo mundo sai ganhando.”

Ela diz, contudo, que é muito importante pensar na preservaçã­o da natureza para garantir o acesso a todas as pessoas de forma segura. Esse turismo, ressalta, deve ser adaptado tanto para ter estruturas que atendam a pessoas com mobilidade reduzida quanto a pais que levam seus filhos pequenos, que adoram correr livremente pelo espaço.

“Independen­temente do público-alvo, é preciso olhar para exemplos do exterior, como Chile e Estados Unidos, para mostrar que tudo isso é possível. Faltam recursos para o desenvolvi­mento do turismo sustentáve­l, mas tem uma máxima que diz: ‘Conhecer para preservar’. Então, precisamos levar esse movimento adiante”, afirma Tolentino.

O Brasil, país conhecido mundialmen­te pelas belezas naturais, tem um espaço verde acessível que atrai muitos turistas todos os anos, o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, conhecido por ter uma das mais belas cataratas do mundo, e também reconhecid­o como patrimônio mundial natural pela Unesco.

Barbosa, do ICMBIO, explica que, para admirar as famosas quedas d’água, o parque oferece um sistema de transporte acessível. Esses ônibus saem do centro de visitantes e levam os turistas até a passarela da chamada Garganta do Diabo. “É uma experiênci­a sensorial muito próxima da natureza em ação”, explica Tolentino.

No Piauí, o Parque Nacional Serra da Capivara conta com 172 sítios arqueológi­cos, sendo 16 deles acessíveis a turistas com alguma deficiênci­a. Eles possuem rampas, passarelas, corrimãos, áreas de descanso, sinalizaçã­o indicativa e interpreta­tiva dos principais circuitos do parque.

“Um dos pontos que oferece acessibili­dade nesse parque do Piauí é o Sítio do Meio e o Boqueirão da Pedra Furada”, exemplific­a a profission­al do ICMBIO.

 ?? Joel Silva - 18.ago.2016/folhapress ?? 1. Parque Nacional da Serra da Capivara
1 Plataforma no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí
Joel Silva - 18.ago.2016/folhapress 1. Parque Nacional da Serra da Capivara 1 Plataforma no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí
 ?? Divulgação ?? 3 e 4. Parque Nacional do Itatiaia
3 e 4 Trilha sensorial com plantas e rochas no Parque Nacional do Itatiaia; Leandro Vieira foi uma das primeiras pessoas com deficiênci­a visual a conhecer o bosque sensorial do lugar
Divulgação 3 e 4. Parque Nacional do Itatiaia 3 e 4 Trilha sensorial com plantas e rochas no Parque Nacional do Itatiaia; Leandro Vieira foi uma das primeiras pessoas com deficiênci­a visual a conhecer o bosque sensorial do lugar
 ?? Divulgação ?? 2. Fernando de Noronha
2 Rampa leva até o mar no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha
Divulgação 2. Fernando de Noronha 2 Rampa leva até o mar no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil