Novo livro destaca as conexões surpreendentes da natureza
são carlos (sp) Nos últimos anos, o engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben se transformou numa espécie de bardo pop das conexões ocultas da biodiversidade.
“A natureza é como o mecanismo de um imenso relógio. Tudo funciona de forma perfeitamente organizada e interconectada”, escreve ele na abertura de seu livro “A Sabedoria Secreta da Natureza”, que acaba de chegar ao Brasil.
A obra é a terceira parte de uma trilogia de best-sellers — nos livros anteriores, Wohlleben analisou a complexidade comportamental de árvores e animais. Não, o leitor que ainda não conhece o trabalho dele não leu errado: para Wohlleben, árvores também têm “comportamentos”, mesmo que suas ações pareçam muito lerdas aos olhos de mamíferos apressados como nós.
Afinal de contas, elas também trocam informações e nutrientes entre si, usando a rede de fungos que costuma conectar as raízes. Empregam ainda mecanismos engenhosos para proteger “filhotes” (as mudas) que crescem por perto ou mandar mensagens químicas que alertam quanto à presença de “predadores” (animais herbívoros).
“As florestas em todo o mundo operam de acordo com as mesmas regras”, disse à Folha. Quando comento que a tendência dos brasileiros é enxergar as florestas da Europa como versões simplificadas das que existem na Amazônia, ele ri e pede: “Não diga isso na Alemanha!”.
Em seguida, explica que, apesar da biodiversidade muito maior na floresta tropical, diversos efeitos são os mesmos nos dois lugares.
“Tanto aqui como aí, sabemos que as florestas produzem nuvens, por exemplo. As pessoas achavam que as florestas tropicais eram úmidas porque chove muito nelas, mas hoje está claro que é o contrário: a chuva é gerada justamente pela presença da floresta.”
No novo livro, em vez de analisar apenas um tipo de criatura florestal, Wohlleben esmiúça as conexões inesperadas entre os diferentes membros da trama da vida, em especial quando a ausência de algum deles desencadeia todo tipo de efeito dominó.
Um dos casos emblemáticos é o do retorno dos lobos ao Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA. Tal como aconteceu em quase todos os países desenvolvidos ao longo dos séculos 18 e 19, os lobos foram ferozmente caçados no interior americano e quase desapareceram. Assim, quando o parque foi criado, os grandes herbívoros, como os alces, ficaram protegidos dentro de uma área sem esse predador.
Resultado: uma superpopulação de alces. Os bichos rapidamente devoraram as árvores jovens de Yellowstone. Isso desencadeou não apenas o sumiço dos castores (que dependem da madeira e de outros materiais vegetais para se alimentar e construir suas represas) como a erosão das margens dos rios, já que as árvores davam estabilidade aos barrancos.
Bastou que os lobos fossem reintroduzidos por lá, na segunda metade dos anos 1990, para que todos esses efeitos começassem a ser revertidos.
Esse é um dos motivos pelos quais Wohlleben se tornou um dos principais críticos do manejo florestal intensivo ao qual as florestas alemãs e europeias têm sido submetidas. O processo impede que as árvores mais características, como as faias e os carvalhos, alcancem a maturidade, ao mesmo tempo em que estimula a superpopulação de espécies.
“Nós conseguimos produzir madeira com eficiência, mas isso não é a mesma coisa que cuidar bem das florestas”, afirma. “Meu medo é que as gerações futuras passem a achar que as florestas da Alemanha são desertos verdes. E, quando falamos em ampliar a cobertura florestal, as pessoas aqui sempre respondem: ‘Ah, sim, vamos fazer isso... No Brasil, no Quênia etc.’ Minha reação sempre é dizer: podemos fazer isso aqui mesmo na Alemanha também!”
Apesar da grande quantidade de informações que a ciência já obteve sobre as interconexões de espécies de um ecossistema, Wohlleben diz que os mistérios ainda predominam.
“Quando entramos numa floresta, é como se fôssemos cegos”, compara. “Mesmo assim, alguns dados simples são úteis para nos mostrar se aquele ambiente está saudável, como a temperatura e a umidade ali dentro.”
Para Wohlleben, o melhor caminho para enfrentar o pessimismo diante dos problemas ambientais é ter em mente que é possível modificar situações negativas em muitos casos. “No caso das florestas, o melhor que podemos fazer é colocar as nossas mãos no bolso, evitar ao máximo mexer nelas. Mas há muitas coisas que podemos fazer. Uma delas é diminuir o consumo de carne”, defende.
“Aqui na Alemanha, a carne é como as armas nos EUA: ninguém quer saber de mexer no assunto. Eu sou vegetariano, mas não vejo problema nenhum no fato de as pessoas quererem comer carne. O problema é a quantidade, e também o fato de querermos criticar o desmatamento em países como o Brasil quando continuamos a consumir essa quantidade. Vamos ter de escolher: mais florestas ou mais carne.”