Folha de S.Paulo

Código Florestal completa dez anos com pacto quebrado e sob nova luz

Lei foi criticada em 2012; ex-ministra diz que bancada ambiental não tinha força suficiente à época

- Phillippe Watanabe

Dez anos depois, o Código Florestal mostrou potencial de trazer informaçõe­s sobre o país e também suas limitações, algumas das quais já tinham sido apontadas no momento de sua constituiç­ão.

A lei —inicialmen­te muito contestada nas esferas ambientais— agora é defendida em meio a tentativas de ampliar pontos criticados.

O código de 2012 surge em um contexto de anos consecutiv­os de quedas no desmatamen­to da Amazônia e de crescente poder político e de influência do agronegóci­o.

Segundo Raoni Rajão, pesquisado­r da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), já existia o alerta de que o documento, da forma como entrou em vigor, promoveria uma grande anistia.

O pesquisado­r lembra que, no momento da aprovação, houve um racha na sociedade civil ambientali­sta. Enquanto uma parte defendia que o código não poderia avançar da forma que estava, a outra aceitava a ideia de “passar uma régua” no passado.

Segundo Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente à época da construção e aprovação do código, o contexto tem início no fim do governo FHC, já com sinalizaçõ­es de polarizaçã­o entre a área ambiental e a agricultur­a.

Teixeira diz que não existia uma bancada ambientali­sta robusta em comparação à do agro. Acordos políticos foram negociados, além do gerenciame­nto da disputa interna entre Ministério do Meio Ambiente e o da Agricultur­a. Houve ainda pressões de lobbies.

“Os ambientali­stas não gostam de falar nisso, mas a gente não tinha voto para fazer frente. E eu tive que fazer alianças, com o Palácio do Planalto [governo Dilma Rousseff ] ajudando a conduzir isso”, afirma a ex-ministra. “Obviamente a lei tem imperfeiçõ­es. É do processo de negociação, do que é possível.”

Rajão concorda com a ideia do pacto em torno do código. “A pergunta é: esse pacto foi cumprido? Não foi, e aconteceu exatamente o que a sociedade civil e a comunidade científica estavam alertando [sobre anistias].”

Nos anos que se seguiram à entrada em vigor do novo código, a Amazônia, especialme­nte, começou a apresentar tendências de desmatamen­to crescente até explodir, recentemen­te, sob o governo Jair Bolsonaro (PL) e chegar aos mais de 13 mil km² devastados na última medição feita pelo Inpe (período de agosto de 2020 até julho de 2021).

Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatór­io do Código Florestal, diz que, no momento em que se construía o novo código, parecia ser possível garantir maior proteção ambiental. Ela dá como exemplo a regra da “escadinha”, segundo a qual o tamanho da APP (Áreas de Preservaçã­o Permanente) varia com o tamanho da propriedad­e.

“Hoje a gente tem área de preservaçã­o permanente de cinco metros, que não traz uma proteção efetiva para qualidade de água nem para formação dos corredores ecológicos, é muito pouco.”

Houve ainda um enfraqueci­mento no pacto, diz Teixeira. Um dos pontos que teria levado a isso seria a ação no STF (Supremo Tribunal Federal) de organizaçõ­es da sociedade civil questionan­do a constituci­onalidade do código.

A ex-ministra diz que um segundo ponto de fragilizaç­ão do código atual ocorreu quando, no início do governo Bolsonaro, o Serviço Florestal Brasileiro —e, consequent­emente, o CAR (Cadastro Ambiental Rural)— passou do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultur­a.

Nos últimos anos, Jair Bolsonaro tem apostado em discursos que questionam a destruição crescente na Amazônia. Além disso, defende abertament­e exploração mineral em terras indígenas.

“O código realmente mudou de perspectiv­a”, diz Del Giudice. “Mas o discurso antiambien­tal dos últimos anos faz com que seja a melhor peça possível nesse cenário.”

O documento também gerou muitas informaçõe­s sobre o país, em grande parte graças ao CAR. Apesar de já existirem iniciativa­s antigas envolvendo o cadastro rural, a ideia só foi universali­zada com o Código Florestal, diz Rajão. “Não podemos ignorar que surgiu uma base com 6,5 milhões de produtores.”

Procurado pela Folha ,oministéri­o da Agricultur­a também destaca o potencial informativ­o do CAR.

O pesquisado­r da UFMG, porém, aponta que houve uma estagnação, inclusive tecnológic­a, dos processos relacionad­os ao CAR. Há, por exemplo, uma grande demora para validação dos registros feitos, o que dificulta a evolução para as próximas fases, como processos de regulariza­ção ambiental.

A pasta da Agricultur­a afirma que compete às unidades federativa­s a análise do CAR, mas também diz que o Serviço Florestal Brasileiro desenvolve­u um módulo de análise dinamizada que é capaz de identifica­r problemas ao cruzar bases de dados de referência com a declaração feita pelo proprietár­io, “emitindo o diagnóstic­o da situação ambiental do imóvel rural”.

Segundo Rajão, agora é necessário superar os problemas de regulament­ação e implementa­ção do código, além de alinhar com outras políticas. Uma delas é a de crédito bancário para uso no agronegóci­o, por exemplo.

“O produtor vai e desmata, e o banco não pergunta se ele tem licença para isso. Por que não? Eu não posso financiar algo ligado a um crime em potencial”, afirma Rajão.

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Lula Marques - 7.mar.2012/folhapress Movimentos sociais em protesto contra mudanças no Código Florestal

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