Folha de S.Paulo

Rio-92 serviu de impulso para ONGS e movimento ambientali­sta no Brasil

Conferênci­a, que completa 30 anos, apresentou à população agenda de preservaçã­o do planeta

- Andrea Vialli

são Paulo Até 1992, poucos brasileiro­s sabiam o que era uma ONG. A sigla para organizaçã­o não governamen­tal entrou de vez para o vocabulári­o nacional por causa da Rio-92, Conferênci­a das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi­mento que tomou conta do centro de convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, há 30 anos, entre 3 e 14 de junho de 1992.

Na cúpula, enquanto representa­ntes de mais de 170 países discutiam um novo modelo de desenvolvi­mento, menos predatório para a natureza, as ONGS emprestava­m um colorido diferente ao evento, em um encontro paralelo no Aterro do Flamengo com ares de Woodstock ambientali­sta.

A Rio-92, ou Eco-92, como também ficou conhecida, apresentou a agenda ambiental aos brasileiro­s e criou uma espécie de caldo de cultura para que os movimentos da sociedade civil pela preservaçã­o do meio ambiente, antes dispersos, mostrassem sua cara.

“O país que sediava a Eco-92 era o que detinha a maior floresta tropical do mundo, que vinha de três décadas de destruição provocada pela exploração predatória de madeira, expansão da fronteira agrícola e mineral e abertura de grandes estradas”, relembra Paulo Adário, 73, um dos fundadores do Greenpeace Brasil e atual estrategis­ta sênior de florestas da ONG.

Fundado em 1971 em Vancouver, no Canadá, por um grupo de 12 pessoas entre hippies, ecologista­s e jornalista­s, o Greenpeace aportou no Brasil em abril de 1992, poucos meses antes da Rio-92. Carregava na bagagem uma forte pauta antinuclea­r, que aqui reverberou contra a construção do complexo de usinas nucleares em Angra dos Reis (RJ).

O primeiro protesto da ONG no Brasil foi ocupar o pátio da usina nuclear, onde os ativistas estenderam uma faixa com os dizeres “Nuclear Não”.

Adário conta que, na época, a agenda internacio­nal do Greenpeace, além da questão nuclear, incluía a proteção das baleias, alvo de navios baleeiros japoneses e norueguese­s, o combate aos agrotóxico­s e a conservaçã­o das florestas, que viria a ganhar mais destaque à medida que a pauta das mudanças climáticas entrou em ação —fruto também da Rio-92, que lançou a Convenção-quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas. Assim, a Amazônia e os povos indígenas se tornaram pautas centrais da atuação do Greenpeace no Brasil, que seguem até os dias atuais.

A Amazônia também foi a causa que trouxe a ONG TNC (The Nature Conservanc­y) ao país. Ela começou a atuar com projetos na Amazônia brasileira em 1988, pouco antes da Rio-92. A organizaçã­o, criada na década de 1950 para fomentar a criação de parques nacionais e áreas protegidas nos EUA, expandiu para a América do Sul com esse objetivo e hoje atua em mais de 70 países.

No Brasil, foca em projetos na Amazônia, cerrado e mata atlântica, e abraça outros temas, como restauraçã­o florestal, agricultur­a sustentáve­l, infraestru­tura, segurança alimentar e recursos hídricos.

Karen Oliveira, diretora para políticas públicas e relações governamen­tais da TNC, tinha 20 anos e era estudante de geologia da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro) quando participou do encontro das ONGS na Rio-92, no Aterro do Flamengo.

Para ela, a conferênci­a foi o mais importante dos encontros da ONU no pós-guerra e um marco para tirar a temática ambiental de um nicho. “A partir dali, deixamos de falar de meio ambiente como algo distante, sem relação direta com o dia a dia das pessoas, para colocar a questão no eixo do desenvolvi­mento, da economia, da sociedade e da cultura”, diz Karen.

Outro legado da Rio-92, segundo ela, foi a criação das convenções para tratar de mudanças climáticas, florestas e biodiversi­dade, que resultaram em compromiss­os internacio­nais. “Se hoje temos um Acordo de Paris, um mercado de carbono e regras para proteção da biodiversi­dade, a semente foi plantada ali.”

As discussões sobre o novo modelo de desenvolvi­mento econômico haviam iniciado 20 anos antes, na conferênci­a de Estocolmo, na Suécia (leia mais na pág. 2). O evento em 1972 discutiu pela primeira vez, em escala mundial, o impacto da atividade humana sobre o planeta. Mas, na ocasião, o Brasil havia defendido o “direito de poluir” para se desenvolve­r.

A Rio-92 assinalou revisão de posição por parte do país e também fomentou mudança de postura das empresas, que sentiam o efeito da cobrança pelo cumpriment­o da legislação ambiental, construída a partir dos anos 1980 e reforçada na Constituiç­ão de 1988.

“Na Rio-92, as ONGS foram considerad­as as vedetes e as empresas, vilãs. Mas houve, pela primeira vez, o reconhecim­ento de que era preciso uma mudança de postura, de se trabalhar em conjunto”, diz Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresaria­l Brasileiro para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l).

Formado por 93 grandes empresas, entre nacionais e multinacio­nais, o CEBDS foi criado cinco anos após a conferênci­a, dentro do espírito de que as companhias deveriam passar do “compliance” (cumpriment­o estrito das leis) para uma agenda de soluções para questões sociais, de clima e biodiversi­dade, explica Marina.

Foi também em 1992 que nasceu o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) no Pontal do Paranapane­ma, extremo oeste paulista. Ali o instituto iniciou seu primeiro projeto de pesquisa para salvar da extinção uma espécie endêmica, o mico-leão-preto, no final dos anos 1980, e expandiu as atividades para o desenvolvi­mento sustentáve­l na região —foi a primeira ONG a trabalhar com o MST (Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra) em projetos de refloresta­mento, educação ambiental e geração de renda.

“Na Rio-92, era vibrante a sensação de que mudar o mundo era possível. E era: estávamos plantando árvores com o MST e mostrando que as questões sociais estavam vinculadas ao valor da natureza”, diz Suzana Pádua, fundadora do IPÊ. A parceria entre ONG, MST e grandes proprietár­ios de terra perdura até hoje e permitiu recuperar, segundo o IPÊ, 1.200 hectares de mata nativa com o plantio de 2,4 milhões de árvores.

 ?? Luciana Whitaker - 3.jun.1992/folhapress ?? Sessão plenária da Rio-92, também conhecida como Eco-92, no dia da sua abertura, no Riocentro
Luciana Whitaker - 3.jun.1992/folhapress Sessão plenária da Rio-92, também conhecida como Eco-92, no dia da sua abertura, no Riocentro
 ?? Luciana Whitaker - 1º.jun.1992/folhapress ?? Carro blindado do Exército no entorno da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, ponto tido como estratégic­o no esquema de segurança da conferênci­a
Luciana Whitaker - 1º.jun.1992/folhapress Carro blindado do Exército no entorno da favela da Rocinha, na zona sul do Rio, ponto tido como estratégic­o no esquema de segurança da conferênci­a
 ?? Jorge Araújo - 12.jun.1992/folhapress ?? Rosane Collor e Fernando Collor, ao centro, em jantar oferecido a George Bush, presidente dos Estados Unidos, e Barbara Bush, primeira-dama, durante a Rio-92
Jorge Araújo - 12.jun.1992/folhapress Rosane Collor e Fernando Collor, ao centro, em jantar oferecido a George Bush, presidente dos Estados Unidos, e Barbara Bush, primeira-dama, durante a Rio-92

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