Folha de S.Paulo

Jornalista narra em autobiogra­fia transforma­ções de Israel

- DB

Henrique Cymerman não queria escrever sua autobiogra­fia. “Estou na metade do filme”, diz o jornalista israelense de origem portuguesa. Cedeu, porém. Um veterano no Oriente Médio, ele é uma dessas figuras que todo repórter acaba conhecendo ao passar pela região. Trabalhou para veículos israelense­s, como o jornal Maariv, e colaborou com o português Expresso, a britânica BBC e a brasileira Globonews.

Migrante judeu do Porto, de família com origens no norte da África e no Leste Europeu, Cymerman, 63, chegou a Israel em 1975, aos 16 anos. Assistiu às transforma­ções do país, incluindo a guinada à direita após décadas de governos de esquerda. O livro conta, assim, três histórias: a sua, a do jornalismo e a de Israel. “É uma narrativa judaica. Cada um em Israel poderia ser um filme de Hollywood.”

Mas nem todo mundo teve o acesso que Cymerman teve a personagen­s-chave da história política da região. O jornalista conta em “Conversand­o com o Inimigo: Do Porto a Abu Dhabi via Tel Aviv”, por exemplo, como conheceu Golda Meir, primeira-ministra de 1969 a 1974. Narra também os encontros com outros líderes, como os premiês Ariel Sharon e Binyamin Netanyahu e o presidente Shimon Peres.

De todas essas conversas, diz, a que mais lhe marcou foi a que teve com Yitzhak Rabin. O premiê havia assinado os Acordos de Oslo em 1993, um dos momentos em que a paz esteve mais próxima.

Cymerman afirma que esteve com ele horas antes de seu assassinat­o, em novembro de 1995. “Estou olhando para a foto agora”, diz à Folha por telefone. “Mudou a história da região, e foi algo extremamen­te traumático para mim.”

Cymerman também conheceu a liderança palestina e entrevisto­u, inclusive, Yasser Arafat —o outro signatário dos Acordos de Oslo— durante o sítio à sede de seu governo. O repórter esteve, ainda, com Ahmed Yassin, fundador da facção radical Hamas, que hoje governa a Faixa de Gaza.

São episódios marcantes, mas o livro é saboroso também nos encontros mais casuais, coincidênc­ias que correspond­entes acabam vivendo como subproduto de seu ofício. O jornalista conta, por exemplo, que em 1993 urinou ao lado de Juan Carlos, hoje rei emérito da Espanha. “A emoção me bloqueou por completo”, escreve Cymerman. “O rei entendeu o que estava me acontecend­o e fez uma piada que, se o responsáve­l pelo protocolo estivesse ali, provavelme­nte teria um infarto.”

Apesar de o fio narrativo de “Conversand­o com o Inimigo”

ser a vida de Cymerman, a autobiogra­fia parece ter uma mensagem política também. O jornalista afirma acreditar que a solução para resolver a alta tensão entre Israel e Palestina —exacerbada pela ocupação israelense da Cisjordâni­a— tem que ser regional. Isto é, precisa envolver os demais países do Oriente Médio.

Vem daí seu entusiasmo com os Acordos de Abraão, nome dado à aproximaçã­o entre Israel e alguns países médio-orientais em 2020. “Há governos, chefiados por Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Marrocos, que têm interesse real em reduzir as tensões”, diz. “Hoje, viajo a países árabes e vejo coisas que, há dois ou três anos, pareceriam coisa de ficção científica.”

São mudanças rápidas, das quais foi testemunha. Só que outras coisas, afirma, parecem nunca mudar. Cymerman narra no começo do livro alguns episódios de antissemit­ismo que viveu na infância.

“Eu tinha a ilusão de que, quando eu fosse adulto e tivesse filhos e netos, aquilo tudo seria apenas história”, conta. “Pensava que eu ia enterrar essas memórias. Mas como vejo que o antissemit­ismo está vivo, e mais presente, senti a necessidad­e de retornar a essas histórias.”

Na manhã de terça (7), ele fala no clube A Hebraica, em São Paulo. À noite, na Unibes Cultural. A viagem é uma parceria do Instituto Brasil-israel com a editora Talu Cultural, que publicou a obra.

Conversand­o com o Inimigo: Do Porto a Abu Dhabi via Tel Aviv

Autor: Henrique Cymerman. Ed.: Talu Cultural. R$ 120 (273 págs.) Lançamento: ter. (7), às 8h, n’a Hebraica (r. Hungria, 1.000), e às 19h, na Unibes Cultural (r. Oscar Freire, 2.500), em São Paulo.

“É uma narrativa judaica. Cada um em Israel poderia ser um filme de Hollywood

 ?? Divulgação ?? O jornalista Henrique Cymerman
Divulgação O jornalista Henrique Cymerman

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil