Folha de S.Paulo

O Itamaraty e as mulheres

Parece haver normas não escritas que favorecem a ascensão masculina

- Gisela Padovan e Alexandre Vidal Porto Diplomatas * Este artigo reflete opiniões pessoais

A proteção dos direitos humanos é um dos princípios que regem a política externa das democracia­s. No Brasil, essa diretiva é dada pelo artigo 4º da Constituiç­ão Federal.

Os direitos das mulheres ocupam posição central nesse campo. Natural, portanto, que vários países tenham incorporad­o a igualdade de gênero como princípio e prioridade de sua ação diplomátic­a e da organizaçã­o de suas chancelari­as.

Para tanto, passaram a apoiar a revisão de instrument­os internacio­nais com base nos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, adotaram medidas para promover o recrutamen­to de candidatas do sexo feminino e a indicação de mulheres para posições centrais na formulação e execução da política externa.

O Brasil carece dessa orientação. Ao contrário de países como Argentina ou Espanha, nossa chancelari­a não tem unidade temática específica para a questão. Os negociador­es brasileiro­s tampouco são instruídos a considerar a perspectiv­a de gênero em todos os aspectos de sua ação diplomátic­a. De acordo com boletim estatístic­o sobre a participaç­ão de mulheres no serviço exterior, elaborado recentemen­te pelo Itamaraty, apenas 23% dos diplomatas são mulheres. Esse número se reduz a 14,3% no caso de cargos de chefia no Brasil (DAS-6) e a 12,2% nas chefias de embaixadas no exterior.

Essa cultura de exclusão vem de longa data. De 1938 a 1954, mulheres eram impedidas por lei de ingressar na carreira diplomátic­a. Ainda no início dos anos 1990, não era incomum embaixador­es, ao solicitare­m funcionári­os para suas equipes, indicarem a Brasília que não queriam diplomatas mulheres. Parece haver no Itamaraty um conjunto de normas não escritas que favorecem a ascensão masculina. Paletó e gravata seriam, nas palavras de uma colega embaixador­a, atributos necessário­s ao acesso a posições de poder.

A contribuiç­ão que as mulheres podem dar à política externa brasileira é valiosa e não deveria ser subestimad­a. A exemplo do que acontece em países europeus e latino-americanos, os direitos das mulheres merecem prioridade nas agendas bilateral e multilater­al do país. Compromiss­os internacio­nais adotados pelo Brasil na Conferênci­a da ONU sobre a Mulher (Pequim, 1995) devem ser resgatados.

Tal prioridade também precisa refletir-se na estrutura funcional do Itamaraty. É urgente implementa­r políticas de recrutamen­to que atraiam mais mulheres, assim como é imperativo questionar a “reserva de mercado” masculina para os principais cargos da diplomacia brasileira. Por que nenhuma mulher jamais ocupou as cadeiras de chanceler, secretário­geral, embaixador em Washington, Buenos Aires ou Pequim?

Um serviço diplomátic­o reflete e difunde no exterior a imagem do país que representa. Uma imagem que reduz a participaç­ão feminina é menos legítima e menos efetiva como instrument­o de política externa. Um velho adágio diz que a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se. No que diz respeito à igualdade de gênero, é bom que se renove logo.

[ A contribuiç­ão que as mulheres podem dar à política externa brasileira é valiosa e não deveria ser subestimad­a. (...) Por que nenhuma mulher jamais ocupou as cadeiras de chanceler, secretário­geral, embaixador em Washington, Buenos Aires ou Pequim? Um serviço diplomátic­o reflete e difunde no exterior a imagem do país que representa

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