O Itamaraty e as mulheres
Parece haver normas não escritas que favorecem a ascensão masculina
A proteção dos direitos humanos é um dos princípios que regem a política externa das democracias. No Brasil, essa diretiva é dada pelo artigo 4º da Constituição Federal.
Os direitos das mulheres ocupam posição central nesse campo. Natural, portanto, que vários países tenham incorporado a igualdade de gênero como princípio e prioridade de sua ação diplomática e da organização de suas chancelarias.
Para tanto, passaram a apoiar a revisão de instrumentos internacionais com base nos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, adotaram medidas para promover o recrutamento de candidatas do sexo feminino e a indicação de mulheres para posições centrais na formulação e execução da política externa.
O Brasil carece dessa orientação. Ao contrário de países como Argentina ou Espanha, nossa chancelaria não tem unidade temática específica para a questão. Os negociadores brasileiros tampouco são instruídos a considerar a perspectiva de gênero em todos os aspectos de sua ação diplomática. De acordo com boletim estatístico sobre a participação de mulheres no serviço exterior, elaborado recentemente pelo Itamaraty, apenas 23% dos diplomatas são mulheres. Esse número se reduz a 14,3% no caso de cargos de chefia no Brasil (DAS-6) e a 12,2% nas chefias de embaixadas no exterior.
Essa cultura de exclusão vem de longa data. De 1938 a 1954, mulheres eram impedidas por lei de ingressar na carreira diplomática. Ainda no início dos anos 1990, não era incomum embaixadores, ao solicitarem funcionários para suas equipes, indicarem a Brasília que não queriam diplomatas mulheres. Parece haver no Itamaraty um conjunto de normas não escritas que favorecem a ascensão masculina. Paletó e gravata seriam, nas palavras de uma colega embaixadora, atributos necessários ao acesso a posições de poder.
A contribuição que as mulheres podem dar à política externa brasileira é valiosa e não deveria ser subestimada. A exemplo do que acontece em países europeus e latino-americanos, os direitos das mulheres merecem prioridade nas agendas bilateral e multilateral do país. Compromissos internacionais adotados pelo Brasil na Conferência da ONU sobre a Mulher (Pequim, 1995) devem ser resgatados.
Tal prioridade também precisa refletir-se na estrutura funcional do Itamaraty. É urgente implementar políticas de recrutamento que atraiam mais mulheres, assim como é imperativo questionar a “reserva de mercado” masculina para os principais cargos da diplomacia brasileira. Por que nenhuma mulher jamais ocupou as cadeiras de chanceler, secretáriogeral, embaixador em Washington, Buenos Aires ou Pequim?
Um serviço diplomático reflete e difunde no exterior a imagem do país que representa. Uma imagem que reduz a participação feminina é menos legítima e menos efetiva como instrumento de política externa. Um velho adágio diz que a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se. No que diz respeito à igualdade de gênero, é bom que se renove logo.
[ A contribuição que as mulheres podem dar à política externa brasileira é valiosa e não deveria ser subestimada. (...) Por que nenhuma mulher jamais ocupou as cadeiras de chanceler, secretáriogeral, embaixador em Washington, Buenos Aires ou Pequim? Um serviço diplomático reflete e difunde no exterior a imagem do país que representa