Oposição pena e consegue barrar apenas parte da cruzada liberal de Guedes
Desvantagem numérica e mudanças regimentais dificultam atuação de congressistas contrários à agenda do governo
Brasília A agenda econômica liberal do governo Jair Bolsonaro (PL) encontrou no Legislativo uma oposição reduzida e que precisou se aliar ao centro e à centro-direita para barrar propostas consideradas controversas ou aprovar medidas mais generosas para a população de menor renda.
Sob uma correlação de forças desfavorável para os opositores, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) conseguiu aprovar uma reforma da Previdência e a capitalização da Eletrobras, que vai transferir o controle da empresa para o setor privado.
O governo também conseguiu congelar por dois anos os salários de servidores como contrapartida ao socorro bilionário a estados e municípios devido à Covid.
Por outro lado, as legendas contrárias ao governo foram bem-sucedidas em segurar mudanças como o corte no valor do BPC (Benefício de Prestação Continuada), ajuda de um salário mínimo (R$ 1.212) paga a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
O grupo ainda derrubou o polêmico regime de capitalização na Previdência, uma das grandes bandeiras de Guedes desde a campanha de 2018. Pelo modelo, o trabalhador pouparia para a própria aposentadoria sem qualquer ajuda do empregador.
A reforma administrativa, que mudaria as regras de ingresso no serviço público e flexibilizaria a estabilidade do funcionalismo, também ficou travada no Congresso.
Para assegurar essas vitórias, as siglas opositoras precisaram do reforço decisivo dos partidos de centro.
Também foi assim em março de 2020, quando esses dois blocos pressionaram Bolsonaro e conseguiram garantir um auxílio emergencial maior que os R$ 200 propostos pelo governo. O valor acabou ficando em R$ 600. Houve ainda uma emenda da bancada do PSOL que propôs o pagamento em dobro (ou seja, R$ 1.200 mensais) para mães solteiras.
“Nessas matérias mais econômicas, a correlação de forças é desfavorável para a oposição, então a gente tem mais dificuldade. A não ser que a gente consiga uma formulação que divida mais o outro campo. Sem isso, a gente não consegue”, reconhece o líder do PC do B na Câmara, Renildo Calheiros (PE).
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), vice-líder da oposição na Câmara, também admite que a aliança com partidos de centro foi “determinante e decisiva” para as legendas conseguirem barrar propostas da equipe de Guedes, ou avançar em pontos da agenda do campo mais progressista.
A oposição reúne as legendas PT, PDT, PSB, PC do B, PSOL e Rede. Juntas, elas têm 122 deputados, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
O monitoramento do órgão mostra que, na configuração atual da Câmara, com 513 parlamentares, só os primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), além de Michel Temer (MDB), tiveram oposição ainda menos numerosa.
A dimensão reduzida da bancada é atribuída, em parte, ao ambiente eleitoral de 2018, marcado por um sentimento contrário à esquerda que impulsionou Bolsonaro e candidatos do seu campo político.
Mesmo em um cenário adverso, uma das maiores conquistas da oposição foi derrubar duas tentativas do governo de flexibilizar leis trabalhistas e criar novos regimes de contratação, com menos encargos para os empregadores e contribuições menores ao FGTS.
A primeira investida foi no fim de 2019, quando o governo enviou uma MP (medida provisória) que instituiu o Emprego Verde e Amarelo, que buscava incentivar a contratação de jovens até 24 anos.
A medida chegou a ser aprovada na Câmara, mas travou no Senado. Sem perspectiva de avanço, o governo acabou revogando a MP.
A segunda tentativa ocorreu em 2021. Os deputados aproveitaram uma medida que reeditou normas trabalhistas emergenciais da pandemia para resgatar as modificações na CLT. A proposta foi novamente aprovada pela Câmara, mas teve um revés no Senado. A medida foi derrubada por 47 votos a 27.
“O Senado virou um oxigênio para nós [de oposição]”, diz Teixeira. Segundo ele, a Casa presidida por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) acabou moderando algumas matérias e segurando projetos como o da privatização dos Correios, aprovado na Câmara.
O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), ressalta outras propostas que travaram na Casa, como a fusão dos mínimos de despesas com saúde e educação e a extinção de fundos públicos.
O analista político Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, avalia que o poder da oposição na Câmara foi tolhido por alterações regimentais promovidas em maio de 2021.
A reforma, patrocinada pelo então recém-eleito presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), limitou o chamado kit obstrução, série de instrumentos que a oposição usava para retardar votações em busca de acordo. Discussões que antes duravam dois ou três dias no plenário foram abreviadas para poucas horas.
“Onde essa pauta [do governo] acabou encalhando foi justamente no Senado, onde o poder do centrão é bem menor do que na Câmara”, afirma Carazza.
O líder do PC do B diz que a mudança no regimento foi muito ruim para a oposição e alerta que, se hoje a retirada desses instrumentos abafa a atuação da esquerda, em outro momento ela pode se voltar contra partidos de outros espectros ideológicos.
Para tentar driblar a desvantagem, os parlamentares contrários ao governo buscam estratégias de mobilização, presencial e em redes sociais.
A vice-líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS), afirma que essa visão foi crucial para travar a reforma administrativa e também a proposta de achatar o reajuste do piso do magistério.
Ainda assim, a oposição não conseguiu impor agenda própria e, muitas vezes, adotou uma postura mais pragmática para negociar modificações.
“Nós estamos fazendo sempre um trabalho de aprimoramento das matérias. Essa tem sido a posição do PDT. Naquilo que não faz sentido a gente vota contra, naquilo que faz sentido a gente debate e aprimora”, diz o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), vice-líder da legenda na Câmara.
Isso ocorreu, por exemplo, na criação do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família.
Mas em outras situações, como as propostas para cortar tributos estaduais sobre combustíveis, o grupo se viu em um dilema: manter-se fiel à crença de que a medida seria ineficaz, sob risco político de ser acusado de barrar medidas em prol do consumidor, ou votar com o governo. A última acabou prevalecendo.
“A oposição jogou junto com o governo. Em muitas das medidas, ela foi sócia”, afirma Carazza.