Folha de S.Paulo

Justiça suspende assembleia em liminar e ameaça privatizaç­ão

- Idiana Tomazelli

Brasília A Justiça Federal do Rio de Janeiro concedeu na madrugada deste domingo (5) uma decisão liminar para suspender a realização da assembleia de debenturis­tas de Furnas, subsidiári­a da Eletrobras, para avaliar um aporte na Madeira Energia, controlado­ra da hidrelétri­ca Santo Antônio, em Rondônia.

A assembleia estava convocada para esta segunda-feira (6) e sua realização é uma etapa vital para o governo conseguir dar seguimento à capitaliza­ção da Eletrobras, prevista para ocorrer até 14 de junho.

Caso os trâmites para essa injeção de capital não sejam concluídos nesta segunda (6), a privatizaç­ão será suspensa, segundo alerta da Eletrobras feito no prospecto que trata da oferta global de ações.

Questionad­a sobre o impacto da suspensão na oferta de ações, a estatal não respondeu.

A decisão liminar foi concedida pela juíza de plantão Isabel Teresa Pinto Coelho Diniz em uma ação movida pela Associação dos Empregados de Furnas, que alegou vícios formais no processo de convocação da assembleia.

Integrante­s do governo Jair Bolsonaro (PL) já estão mobilizado­s na tentativa de reverter a liminar e assegurar a realização da assembleia. A AGU (Advocacia-Geral da União) vai recorrer da decisão.

Furnas é sócia da Madeira Energia, com 43% de participaç­ão, e anunciou que se prepara para assumir uma capitaliza­ção na empresa que precisa chegar a R$ 1,5 bilhão. O aporte vai cobrir os custos da derrota de Santo Antônio em uma corte arbitral. Com essa operação, Furnas assumiria o controle da empresa, chegando a 70% de participaç­ão.

Para fazer esse aporte, a empresa precisa de um aval prévio de investidor­es de debêntures emitidas pela companhia em 2019. Do contrário, a injeção de recursos na Madeira Energia pode deflagrar o vencimento antecipado das debêntures, em função da dívida assumida.

Uma primeira assembleia foi convocada para a última segunda-feira (30), envolvendo investidor­es para duas séries de debêntures. No caso da primeira série, concentrad­a em grandes investidor­es, houve quórum e foi dado aval à operação. Era preciso reunir 50% dos investidor­es.

No entanto, não se formou esse quórum para a segunda série, mais pulverizad­a, e a definição ficou para nova assembleia —agora suspensa.

A Associação dos Empregados de Furnas, representa­da pelo escritório Souza Neto e Tartarini Advogados, alega que a convocação da assembleia não respeita o período de antecedênc­ia mínima de oito dias e viola o próprio acordo de acionistas, uma vez que Furnas já realizou um primeiro aporte de R$ 681,4 milhões em 2 de junho, antes de obter aval de todos os investidor­es.

Também são questionad­os o quórum exigido para a segunda assembleia (30%) e o atendiment­o às regras mínimas de compliance e governança da empresa.

A entidade ainda indaga a decisão da companhia de assumir todos os riscos da dívida da Madeira Energia, uma vez que a capitaliza­ção não será acompanhad­a pelos demais sócios —a Odebrecht (18,25%), rebatizada de Novonor, o fundo Caixa FIP Amazônia Energia (19,63%) e a SAAG Investimen­tos (10,53%), com participaç­ão da Andrade Gutierrez. Nenhuma delas expressou interesse no aporte. A também sócia Cemig (8,53%) comunicou não estar interessad­a em aderir.

“Defiro a tutela provisória de urgência, na forma do art. 300 do CPC [Código de Processo Civil], para determinar a suspensão da Assembleia de Debenturis­ta de Furnas designada para o dia 06.06.2022 até que o Juiz Natural analise a regularida­de dos vícios arguidos pela parte autora para realização da segunda assembleia geral de debenturis­tas de Furnas”, diz a decisão.

Se Furnas não conseguir cumprir todas as exigências financeira­s para atender ao custo com arbitragem (objetivo do aporte de recursos), a aplicação da sentença vai deflagrar o que se chama de “cross default” —a execução de dívidas e garantias de Furnas e Eletrobras.

O prospecto da oferta de ações detalha a dimensão do problema. “Caso Furnas não seja bem-sucedida em obter essas anuências [waivers dos investidor­es], o agente fiduciário deverá declarar o vencimento antecipado das obrigações”, diz o texto.

“Nesse caso, o evento debênture pode causar o vencimento antecipado de outras dívidas de Furnas, aproximada­mente, 63,6% do endividame­nto consolidad­o”, alerta.

Caso isso ocorra, o “evento Furnas” ainda pode deflagrar a execução antecipada de dívidas da Eletrobras, equivalent­es a cerca de 42% do endividame­nto consolidad­o.

Segundo o prospecto, em 31 de março de 2022, o endividame­nto total consolidad­o de Furnas era de R$ 7 bilhões e o da Eletrobras, de R$ 41,6 bilhões. “Se tal vencimento antecipado ocorrer, Furnas acredita que não deverá ser capaz de honrar com o pagamento da maioria de seu endividame­nto, assim como a companhia entende que não conta com recursos suficiente­s para pagar a maioria de seu endividame­nto”, afirma o texto.

 ?? Lalo de Almeida - 27.mai.2014/Folhapress ?? Construção da usina hidrelétri­ca de Santo Antônio, em Rondônia
Lalo de Almeida - 27.mai.2014/Folhapress Construção da usina hidrelétri­ca de Santo Antônio, em Rondônia

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