Folha de S.Paulo

Federações nos estados têm cisões e ‘casamentos de fachada’

- João Pedro Pitombo

SALVADOR A criação das federações partidária­s que passarão a valer a partir nas eleições deste ano uniu adversário­s locais no mesmo campo político, começa a enfrentar dissidênci­as e pode resultar “casamentos de fachada” em parte dos estados.

O prazo para o registro de federações partidária­s se encerrou no dia 31 de maio, com a criação de três federações. No campo da esquerda PT, PC do B e PV estarão amarrados pelos próximos quatro anos, assim como o PSOL e a Rede. Na centro-direita, se uniram o PSDB e Cidadania.

Nas federações partidária­s, as legendas que se associam são obrigadas a atuar de forma unitária ao menos nos quatro anos seguintes às eleições, nos níveis federal, estadual e municipal, sob pena de sofrer punições. É um modelo diferente das coligações, que foram vetadas em eleições proporcion­ais.

O novo mecanismo deve ajudar os partidos a superar a cláusula de barreira, que estabelece percentual mínimo de votos e de deputados eleitos para manter o acesso à propaganda partidária e ao fundo eleitoral.

Batizada com o nome “Brasil da Esperança”, a federação entre PT, PC do B e PV enfrenta imbróglios na montagem de palanques estaduais em Pernambuco, Tocantins, Mato Grosso, Maranhão e Distrito Federal.

Os principais focos de atrito se dão entre PT e o PV, partido que na última legislatur­a se alinhou a siglas de centrodire­ita em estados como a Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.

A adesão à federação e o apoio à pré-candidatur­a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022 fez com que parte dos filiados deixasse o partido. Uma parcela que permaneceu no PV ainda assim flerta com candidatos de outros partidos nos estados.

“Há um esforço grande para que não haja ruído na nossa caminhada até a eleição. A gente torce para que os presidente­s dos partidos nos estados tentem negociar, a gente só vai intervir onde tiver problema”, diz o presidente nacional do PV, José Luiz Penna.

Em São Paulo, por exemplo, ao menos 12 prefeitos do PV anunciaram apoio à reeleição do governador Rodrigo Garcia (PSDB) em detrimento da pré-candidatur­a do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

O comando do partido alega que são prefeitos ligados a deputados que deixaram a legenda na janela partidária e tendem a não permanecer nas próximas eleições municipais.

O Tocantins é outro estado com potencial de conflito. O PV local, liderado pela família Lélis, é próximo ao governador Wanderlei Barbosa (Republican­os) e deve apoiar, mesmo que informalme­nte, a sua reeleição. O PT, por sua vez, lançou ao governo o ex-deputado Paulo Mourão.

O cenário é parecido em Mato Grosso, onde o vice-prefeito de Cuiabá, José Roberto Stopa (PV), desistiu de concorrer ao governo após o PT decidir ter candidato próprio ao cargo. Stopa saiu de cena atirando.

“Eu já estava de saco cheio. Nós fizemos um acordo com a federação, que poderiam aparecer dez nomes, vinte nomes e o melhor nome seria escolhido candidato. O que não pode é companheir­o criticar companheir­o, ficar com essa mesquinhar­ia”, disse em entrevista à imprensa.

O imbróglio agora se voltou para a vaga ao Senado: o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), trabalha para emplacar sua mulher, Márcia Pinheiro (PV), mas esbarra no PT, que lançou a professora Enelinda Scalla.

Já no Maranhão, a federação uniu sob o mesmo guarda-chuva adversário­s históricos no estado: o PC do B, que já abrigou o ex-governador Flávio Dino (PSB), estará unido ao PV, partido ligado à família Sarney, que fez oposição ferrenha ao então governador.

“Não tenho restrição a Flávio Dino, mas é preciso diálogo. Estamos vivendo um novo momento no Maranhão, sem aquela dicotomia entre Sarneys e anti-Sarneys. É um projeto uma nova geração”, diz o deputado estadual Adriano Sarney (PV).

A união, contudo, enfrenta conflitos. O PV critica a influência do PSB nos rumos da federação, com pressão pela escolha do nome do ex-secretário Felipe Camarão (PT) como candidato a vice do governador Carlos Brandão (PSB).

Em Pernambuco, a disputa é entre PT e PC do Bese dá em torno do Senado. A vice-governador­a Luciana Santos (PC do B) pleiteia concorrer na chapa de Danilo Cabral (PSB), mas o PT indicou a deputada estadual Teresa Leitão. Procurada, Luciana Santos disse que a situação está em debate interno.

A federação entre PSDB e Cidadania também enfrenta divergênci­as no campo nacional. Enquanto os tucanos ainda não definiram se terão candidatur­a própria ao Planalto, o Cidadania já definiu o seu apoio à pré-candidatur­a de Simone Tebet (MDB).

Nos estados, a decisão de unir os partidos também gerou baixas. A principal delas foi a desfiliaçã­o do governador da Paraíba João Azevêdo, que trocou o Cidadania pelo PSB e vai disputar contra o PSDB, que concorre com o deputado Pedro Cunha Lima.

Com a aprovação da federação pelo Tribunal Superior Eleitoral, os estados do Amazonas e do Distrito Federal passaram a ser centro de discórdia entre os partidos. O Cidadania apoiará candidatos tucanos em dez estados, mas esperam reciprocid­ade.

No Amazonas, o Cidadania passou a abrigar o ex-governador Amazonino Mendes, que lidera as pesquisas de intenção de voto para o governo. Entre os tucanos, contudo, o senador Plínio Valério também se movimenta para concorrer ao governo.

O caso do Distrito Federal é semelhante: o senador Izalci Lucas (PSDB) é pré-candidato a governador. Mas a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania) negocia disputar o Senado em outra chapa, que seria liderada pelo senador Reguffe (União Brasil).

Nos dois casos, a disputa entre os pré-candidatos tem sido marcada por rusgas e com poucas chances de um denominado­r comum sem intervençã­o dos diretórios nacionais dos partidos.

O PSDB indicou que deve ceder no Amazonas: o presidente nacional do partido, Bruno Araújo, enviou uma carta a Plínio Valério afirmando que o partido não terá candidato próprio no estado. O senador disse que não acompanhar­á o partido nas eleições local e nacional.

“Vejo o Amazonino como retrocesso. E, nacionalme­nte, o PSDB ser coadjuvant­e do MDB é coisa de quem não compreende o verdadeiro tamanho do PSDB”, afirmou o senador.

Os tucanos, contudo, não abrem mão da candidatur­a no Distrito Federal. Mas a deputada Paula Belmonte indica outro caminho e afirma que pode concorrer ao governo caso Reguffe decida disputar o Senado.

Também há rusgas na federação firmada entre o PSOL e a Rede Sustentabi­lidade, começando pela eleição nacional. Enquanto o PSOL vai unificado no apoio a Lula, a Rede liberou seus filiados a apoiar o petista ou Ciro Gomes (PDT).

Em Minas Gerais e Espírito Santo, a parceria entre os dois partidos ficará apenas no papel, em uma espécie de “casamento de fechada”.

O PSOL de Minas Gerais lançou ao governo a professora Lorene Figueiredo, mas a Rede deve dar apoio informal à candidatur­a de Alexandre Kalil (PSD), ex-prefeito de Belo Horizonte.

No Espírito Santo, o cenário é o contrário: a Rede vai lançar para o governo o ex-prefeito de Serra, Audifax Barcelos. O PSOL, contudo, não vê a parceria com bons olhos, já que o pré-candidato da Rede negocia o apoio de legendas da centro-direita.

Porta-voz da Rede, a ex-senadora Heloísa Helena diz que os dois casos estão devidament­e respaldado­s pelo Estatuto da Federação e pela Resolução Política pactuada na estruturaç­ão da parceria.

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