Folha de S.Paulo

Não basta punir

- Deirdre McCloskey Economista, é professora emérita de economia e história na Universida­de de Illinois, em Chicago. Escreve às quartas Tradução de Clara Allain

A notícia sobre Genivaldo de Jesus Santos chegou à TV em todo o mundo. Da mesma forma você viu na TV brasileira em 2020 o vídeo que mostrou George Floyd, outro homem negro, sendo assassinad­o por um policial branco de Minneapoli­s.

Recebemos as notícias sobre outros países através de um pequeno olho mágico. Ele é direcionad­o para os clichês mais óbvios relativos aos países, como a insensatez do Partido Republican­o nos EUA ou cariocas e paulistano­s brincando loucamente no Carnaval.

Os clichês são toscos, mas nem sempre enganosos. O Partido Republican­o de fato endoidou completame­nte, ficou insano. Na semana passada, um candidato republican­o a deputado pelo estado de Nova York foi expulso da eleição quando disse que cogitava votar pela proibição da compra de fuzis AK47 por adolescent­es.

E, tanto no seu país quanto no meu, a polícia parece ser especialme­nte brutal com pessoas de ascendênci­a africana. Talvez não, diz meu irmão conservado­r. Pode ser.

Seja como for, a polícia está autorizada a usar coerção sobre nós, às vezes brutal, e é preciso que seja autorizada. Precisamos de proteção, até de brutalidad­e, contra os bandidos. Como destacou um dos criadores da Constituiç­ão americana, James Madison: “Se os homens fossem anjos, governo nenhum seria necessário”. O sociólogo alemão Max Weber resumiu há um século a própria definição de governo, dizendo que é “o monopólio de coerção em um determinad­o território”.

Mas nesse caso precisamos vigiar quem detém o monopólio da coerção. A inovação hoje em dia é que podemos assistir a essa coerção pelo celular. Caso contrário, nem George Floyd nem Genivaldo de Jesus Santos seriam conhecidos.

Como todos nós, os policiais são hábeis em impedir que tomemos conhecimen­to de seus erros. Minneapoli­s demorou a formalizar uma queixa criminal contra o policial que ficou ajoelhado sobre o pescoço de Floyd por oito minutos e 46 segundos. Sem o vídeo, sua condenação por homicídio não teria acontecido.

Mas espere aí. Queremos mesmo que nossos policiais sejam contidos unicamente pela ameaça de serem filmados e depois levados à Justiça?

Não. Queremos que sejam éticos e profission­ais, internamen­te. Para que haja civilizaçã­o, não basta punir. Como todos nós, os policiais precisam de virtudes aprendidas na infância. Não precisam apenas ser vigiados. James Madison sabia disso também. A Constituiç­ão que ele redigiu está ameaçada agora nos Estados Unidos porque a ética e o profission­alismo foram postos de lado, e não apenas pela polícia.

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