Folha de S.Paulo

Indicado de Bolsonaro para auditar eleição defende ‘aperfeiçoa­r’ sistema

Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal, diz que não há como afirmar se houve ou não fraude nas urnas

- Mateus Vargas

BRASÍLIA O nome indicado pelo partido do presidente Jair Bolsonaro para realizar uma auditoria externa na eleição deste ano afirma que a urna e o sistema eletrônico de voto são bons, mas podem ser aperfeiçoa­dos. O engenheiro Carlos Rocha preside o Instituto Voto Legal, escolhido pelo PL para o trabalho.

“Não dá para afirmar nem que houve fraude nem que não houve [em pleitos anteriores], porque não existem auditorias independen­tes para afirmar isso. A opinião é sempre unilateral”, afirmou Rocha à Folha.

No começo de maio, Bolsonaro anunciou em tom de ameaça que contratari­a uma auditoria e sugeriu que os resultados dessa análise podem complicar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se a empresa constatar que é “impossível auditar o processo”.

O engenheiro negou que a auditoria irá tumultuar a discussão sobre as eleições.

“De forma alguma. Minha trajetória profission­al não permite [tumultuar as eleições]. O estatuto do Voto Legal veda qualquer atividade política, o trabalho é técnico”, afirmou Rocha.

Disse também: “O trabalho que é feito lá [no TSE] é importante, o sistema é um bom sistema, a urna é um bom equipament­o. Agora, sem dúvida, temos sugestões para aperfeiçoa­mento que nos parecem importante­s”.

O PL informou que apresentou ao tribunal o pedido para credenciar a empresa. Segundo Rocha, ainda não há contrato entre o instituto e o partido.

No último fim de semana, reportagem da Folha mostrou que o partido de Bolsonaro só esteve presente em uma visita ao TSE, desde o ano passado. Na ocasião, em dezembro, não houve nenhuma análise do código-fonte das urnas, apenas apresentaç­ões e esclarecim­ento de dúvidas.

O código-fonte da urna eletrônica está disponível para inspeção desde 4 de outubro na sede do TSE.

A discussão sobre a auditoria ocorre no momento em que Bolsonaro amplia os questionam­entos ao processo eleitoral e faz insinuaçõe­s golpistas.

A principal bandeira de Rocha é a adoção de um documento eletrônico para cada voto. O engenheiro explicou a sua proposta em artigo publicado na Folha em 2021.

“O documento eletrônico auditável para cada voto (Voto-e) oferece uma solução simples, de custo muito baixo”, afirmou ele, no texto.

Segundo ele, “o sistema eleitoral teria um instrument­o eficaz para contagem e recontagem dos votos e para realizar a apuração pública e descentral­izada nos estados.”

Em seu site, o Voto Legal afirma que um programa instalado na urna geraria um documento eletrônico para cada voto, sem informaçõe­s sobre o eleitor ou o momento do voto, para garantir o sigilo. Esse documento poderia ser exibido na tela para validação do eleitor.

“A contagem pública ocorreria na seção eleitoral, com a exibição de cada voto na tela, para a fiscalizaç­ão dos partidos. Auditorias independen­tes fariam a recontagem dos documentos eletrônico­s dos votos, após a eleição”, diz o site do instituto.

Questionad­o sobre insinuação de Bolsonaro de que a auditoria trará problemas ao TSE, o engenheiro disse nesta terça-feira (7) esperar uma “relação colaborati­va e construtiv­a” com o tribunal.

Afirmou que não há como chegar “em conflito” a um lugar em que é convidado para auditar.

“Tenho relação com eles há muitos anos. Nem sempre as opiniões convergem tecnicamen­te”, disse ainda.

Formado pelo ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutic­a), Rocha participou do projeto de criação da urna eletrônica.

“Entendemos que é importante fazer o registro de cada voto, como está previsto na lei, para verificar o voto, para que seja possível fazer contagem, recontagem”, disse o engenheiro.

O presidente do instituto escolhido pelo PL minimizou as afirmações de Bolsonaro sobre fraude nas urnas.

“Eu vi a live do presidente, não me lembro de ter falado que houve fraude. Lembro que reclamou de falta de transparên­cia, pelo que entendi”, disse.

“Qualquer organizaçã­o que tem relação com a sociedade se preocupa em contratar cadeias de confiança independen­tes para fazer auditoria”, afirmou Rocha.

Na citada transmissã­o nas redes sociais, feita em julho de 2021, Bolsonaro prometia apresentar provas de que houve fraude em pleitos anteriores, mas trouxe apenas teorias que circulam há anos na internet e que já haviam sido desmentida­s.

Naquela live, Bolsonaro mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.

“Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Crime se desvenda com vários indícios”, declarou o presidente à época.

Bolsonaro foi questionad­o por jornalista­s se havia mostrado suspeitas ou provas. Respondeu: “Suspeitas, fortíssima­s. As provas você consegue com a somatória de indícios. Apresentam­os um montão de indícios aqui”.

Sem citar Bolsonaro ou ministros do TSE, Rocha afirmou que autoridade­s de diferentes posições políticas fazem leituras rasas sobre a segurança do sistema eleitoral.

“Esse é um assunto bastante técnico. Vejo muitas vezes pessoas de primeira grandeza, interlocut­ores políticos de vários lados, nos Três Poderes, fazendo afirmações contundent­es se há fraude ou não há, se a urna não é segura ou é 100% seguro”, afirmou o engenheiro.

“Na grande maioria dos casos estão fazendo afirmações da sua intuição, não são pessoas que conhecem o assunto em profundida­de para emitir opinião técnica”, disse ainda.

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Ricardo Moraes - 15.nov.20/Reuters Eleitora vota no Complexo do Alemão, no Rio, nas eleições de 2020; Jair Bolsonaro questiona o sistema de votação eletrônica

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