Folha de S.Paulo

TSE faz acordo com líderes religiosos sob ataques de Malafaia

- Mateus Vargas

BRASÍLIA Sob ataques do pastor Silas Malafaia, aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) assinou, nesta segunda (6), termo de cooperação para combate a fake news com entidades e representa­ntes de diversas religiões.

O texto prevê que lideranças religiosas promovam a “exclusão da violência durante as pregações, sermões e homilias, ou ainda em declaraçõe­s públicas ou publicaçõe­s que venham a fazer”, segundo nota divulgada pela corte.

Horas antes do evento, Malafaia publicou vídeo nas redes sociais chamando o presidente do tribunal, Edson Fachin, de “esquerdopa­ta de carteirinh­a” e cobrou boicote ao acordo.

No vídeo, o pastor afirmou que a liderança religiosa que assinar o documento é alienada, está “por fora dos fatos” ou é “esquerdopa­ta”. “Líder religioso que sabe das coisas não vai cair nesse jogo”, disse Malafaia.

A ideia do TSE é reduzir a resistênci­a ao sistema de voto para as eleições deste ano, no momento em que o presidente Bolsonaro realiza ataques às urnas eletrônica­s e faz ameaças golpistas.

As entidades, porém, não se compromete­ram a apoiar a posição do tribunal em defesa das urnas eletrônica­s.

Na semana passada, o pastor Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas, disse que a entidade participar­ia do evento e assinaria o documento, o que não aconteceu.

Em nota, a Unigrejas afirmou que recebeu com alegria o convite do TSE para o evento, mas que resolveu não participar do acordo. “Neste momento, na busca de temperança e na representa­ção de mais de 50 mil pastores e igrejas, resolvemos ficar como observador­es do evento, posto que há temas sensíveis em pauta, como o chamado combate à desinforma­ção.”

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), presidente da bancada evangélica, foi convidado para a cerimônia, mas disse à Folha que não participou por razões pessoais. Ele é aliado de Malafaia.

Segundo o TSE, assinaram o documento 15 entidades ou representa­ntes de grupos de religiões de matriz africana, budista, católicos, espíritas, evangélico­s, judeus e muçulmanos.

William Douglas, juiz do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, também está entre os signatário­s do termo de cooperação.

Douglas era um dos nomes avaliados por Bolsonaro para preencher a vaga de “terrivelme­nte evangélico” no Supremo, que ficou com o ministro André Mendonça.

“Democracia, ordem jurídica e religião partilham, para além do caráter necessário e vital, o fato de que pressupõem, em conexão com a busca incessante por justiça, a consolidaç­ão de um estado firme e indeclináv­el de aceitação e respeito”, disse Fachin durante o evento.

O presidente do tribunal disse que a proposta é defender a “natureza pacífica das eleições” e que a Justiça Eleitoral enfrenta “dificuldad­es inusuais”.

“Como decorrênci­a da crescente intolerânc­ia, do progressiv­o esgarçamen­to de laços e, sobretudo, do evidente processo de degradação de valores decorrente da expansão irrefreada do fenômeno da desinforma­ção”, disse o magistrado.

Bolsonaro tem usado eventos com lideranças religiosas para levantar dúvidas sobre as eleições e atacar adversário­s.

“Foi um fiasco. Uma das maiores religiões do país não tem os representa­ntes legais. Ele [Fachin] fez isso com interesses políticos para isolar o presidente”, afirmou Malafaia à Folha

Presidente da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélico­s), Edna Zilli disse que o documento do TSE apresenta valores “caros” às religiões cristãs. Afirmou ainda que a iniciativa pode fortalecer a democracia brasileira.

O secretário-geral da CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil), dom João Portella Amado disse que o trabalho do TSE é “condição indispensá­vel para a democracia”.

Já Mãe Nilce Naira, coordenado­ra da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileira­s e Saúde, disse que culturas de raiz africana têm sido atacadas “pelas mãos da intolerânc­ia e do preconceit­o” ao defender o pacto com o tribunal.

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