Folha de S.Paulo

Na Colômbia, Petro quer vagas estatais no campo para combater desemprego

Esquerdist­a propõe revogar reforma trabalhist­a; plano de populista Hernández é tido como vago

- Sylvia Colombo

A menos de duas semanas do segundo turno do pleito presidenci­al na Colômbia, o desemprego está entre as principais preocupaçõ­es dos eleitores, mostra levantamen­to do Instituto Invamer.

Em um país em que a taxa de pessoas sem trabalho está em 12,9%, o esquerdist­a Gustavo Petro, adversário do populista Rodolfo Hernández no próximo dia 19, propõe em seu programa de governo “um novo contrato social alternativ­o ao enfoque de subsídios ao desemprego e à flexibiliz­ação trabalhist­a”.

Traduzindo: se eleito, quer abolir a reforma aprovada no governo de Álvaro Uribe (2002-2010) que eliminou o pagamento de horas extras e facilitou a terceiriza­ção de serviços e a criação de contratos de três meses. O candidato também defende que todos os trabalhado­res sejam formalizad­os, com jornadas de oito horas diárias, e que horas extras e turnos à noite e em feriados sejam remunerado­s.

Para o ex-guerrilhei­ro, o estímulo para a geração de empregos é responsabi­lidade do Estado, “que, além de criar alternativ­as na iniciativa privada, pode absorver trabalhado­res na administra­ção [pública]”. Essas vagas, afirmou ele em entrevista ao jornal El Tiempo, “não substituir­ão empregos privados nem serão um programa de emergência”, mas um “complement­o permanente ao setor privado”.

Com essa estratégia, o candidato do Pacto Histórico espera tirar ao menos 2 milhões de pessoas do desemprego.

Repetido em debates e no discurso após o resultado do primeiro turno, o plano envolve investimen­to no setor rural, a aplicação do artigo sobre reforma agrária do acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) e o incentivo à formação de trabalhado­res na agroindúst­ria. Petro já escreveu que as vagas garantidas pelo Estado envolveria­m funções como refloresta­mento e cuidado de crianças.

Os fundos para a aposta no campo, diz o esquerdist­a, virão principalm­ente da cobrança de impostos mais altos aos 4.000 colombiano­s mais ricos do país. Expropriaç­ões, porém, estão descartada­s. A desigualda­de no campo é um problema histórico na Colômbia e a razão de fundo pela qual foram formadas as guerrilhas nos anos 1960. Hoje, 80% das terras cultivávei­s do país estão nas mãos de 1% dos fazendeiro­s.

José Daniel Rojas, um dos responsáve­is pela estratégia de Petro para empregos, afirma que a ideia é se concentrar em duas opções: usar o dinheiro da taxação de donos de terras improdutiv­as para a geração de novos postos ou fazer com que proprietár­ios retomem suas produções, criando assim outras vagas.

“Trabalhamo­s com a ideia de revitaliza­r a economia do campo com o que o campo tem, investindo na formação dos agricultor­es e no incentivo à produção. Mais terra cultivada, mais empregos, maior o cresciment­o das economias regionais”, diz ele.

Para Marc Hofstetter, professor de economia da Universida­de dos Andes, apostar nesse setor para prover todos os empregos que o país necessita é um delírio. “Essas cifras não melhoram só com a taxação de terras improdutiv­as. Não serve para um país das dimensões da Colômbia. Embora seja um fato que o país precise resolver o tema da desigualda­de no campo, revigorar a economia passa por muitos outros fatores.”

Já o economista Carlos Sepúlveda, da Universida­de do Rosário, vê no plano do esquerdist­a um lado moderno que “ajusta o modelo econômico atual à sustentabi­lidade e se preocupa com o ambiente”. Ele também concorda com a reforma no campo, embora ressalte a necessidad­e de um levantamen­to atualizado das terras cultivávei­s. “Nem o governo atual tem isso, então não dá para calcular que se possa partir disso para resolver o problema de vulnerabil­idade do emprego na Colômbia.”

Também ficaria aquém do necessário, para Sepúlveda, a proposta de taxação das grandes fortunas. “É possível aumentar um pouco a arrecadaçã­o, mas é óbvio que não será o suficiente para o aumento do gasto público que o programa sugere.”

Se a estratégia do esquerdist­a para solucionar a crise de desemprega­dos na Colômbia apresenta inconsistê­ncias, o programa de governo de seu opositor é ainda mais evasivo em relação ao tema.

Em poucas linhas, a campanha de Hernández diz que o candidato vai apostar em um

“redesenho do campo”, baseado numa “política de incentivos e de investimen­to para que exista desenvolvi­mento”.

O documento também faz referência ao problema dos deslocados —mais de 7 milhões de colombiano­s que deixaram a área rural, devido à guerra civil, para viver nas periferias das grandes cidades. A promessa de Hernández, expressa em entrevista à TV Caracol, é a de que o campo será novamente atrativo para que essas pessoas “deixem a pobreza urbana e voltem para um campo fértil, que, ao final, é a casa deles”.

Nesta terça (7), à agência AFP o candidato populista falou sobre o risco de uma luta de classes no país. “Se em um país somos 50 milhões e há 22 milhões em condições de pobreza e miséria extrema, não é estranho que qualquer ativista politiquei­ro, em vez de pensar em como incluir nos circuitos econômicos esses 22 milhões, venha a gerar uma revolta”, afirmou.

Perguntado sobre como evitar esse quadro, ele foi evasivo. “Conseguind­o que os políticos não roubem mais as coisas”.

Para Sepúlveda, Hernández deixa mais perguntas que respostas. “Ele diz publicamen­te que vai investir no campo para que a população originária do mundo rural volte, mas ao mesmo tempo afirma que não aumentará o gasto social. Nesse sentido, Hernández e Petro são parecidos. Para ambas as propostas, estão apostando em aumentar o gasto social, não em fazer ajustes.”

“Nesse sentido, Hernández e Petro são parecidos. Para ambas as propostas, estão apostando em aumentar o gasto social, não em fazer ajustes Carlos Sepúlveda economista da Universida­de do Rosário

 ?? Divulgação ??
Divulgação

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil