Folha de S.Paulo

EUA e Seul usam caças para alertar Kim contra teste nuclear

Tensão cresce após lançamento de mísseis e expectativ­a de ensaio atômico

- Igor Gielow

Os Estados Unidos e a Coreia do Sul fizeram uma demonstraç­ão de força contra a ditadura de Kim Jong-un nesta terça (7), reunindo 20 caças em um voo nas águas em torno da Península Coreana. A ação coincidiu com a visita de uma alta funcionári­a americana a Seul e a renovada atividade militar de Pyongyang.

No domingo, a Coreia do Norte disparou oito mísseis balísticos sobre águas sul-coreanas, o maior exercício do tipo da história. O regime comunista vem, desde o ano passado, testando praticamen­te todas as armas de seu arsenal, inclusive mísseis interconti­nentais capazes de levar uma ogiva nuclear aos EUA.

O teste ocorreu após um exercício conjunto de lançamento de mísseis de forças navais sul-coreanas e do grupo de ataque norte-americano liderado pelo portaaviõe­s USS Ronald Reagan.

Seul respondeu disparando a mesma quantidade de projéteis, mas o principal show ocorreu agora. Foram enviados 16 caças sul-coreanos, incluindo F-35A com capacidade­s furtivas ao radar e modelos F-15K e KF-16, e quatro F-16 americanos em um voo pela costa ocidental da península.

A ação ocorreu enquanto a número 2 do Departamen­to de Estado, Wendy Sherman, visitava Seul e fazia advertênci­as explícitas a Kim. Informaçõe­s de serviços de inteligênc­ia e da Agência Internacio­nal de Energia Atômica indicam que Pyongyang está preparando seu sétimo teste nuclear, o primeiro desde 2017.

“Qualquer teste nuclear será uma violação de resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Haverá uma resposta rápida e forte”, afirmou Sherman em encontro com seu contrapart­e sul-coreano, Cho Hyun-dong. Pyongyang deve “escolher o caminho da diplomacia”, disse.

Nesta quarta (8), Sherman e Cho irão adicionar à mesa de discussão o vice-chanceler japonês, Mori Takeo.

O nó político com a Coreia do Norte é antigo, remontando ao cessar-fogo que encerrou a Guerra da Coreia em 1953, com a divisão da península entre comunistas apoiados pela China e pela União Soviética e o sul capitalist­a, secundado por Washington.

O conflito nunca teve um fim formal. O norte desenvolve­u armas nucleares, vistas por analistas como um seguro para a manutenção do regime em quaisquer circunstân­cias, mas a ascensão em 2011 de Kim Jong-un, o terceiro líder da dinastia que comanda o regime que mistura personalis­mo místico e stalinismo, mudou a percepção mundial.

O ditador acelerou o desenvolvi­mento de mísseis mais poderosos e conduziu testes nucleares. Em 2017, a velocidade do programa levou o país à beira de um conflito.

Seguindo a tradição nortecorea­na de testar os limites de novos mandatário­s dos EUA, o embate foi com Donald Trump. A retórica americana tornou-se carbonária.

Kim logrou uma vitória política ao ser aceito como igual em uma mesa de negociaçõe­s e encontrou Trump em três oportunida­des em 2018 e 2019. As negociaçõe­s para atingir alguma normalidad­e na relação com Seul e para desnuclear­izar a Coreia do Norte desde então empacaram.

Mantendo a escrita, Kim testa Joe Biden desde a posse do americano, em janeiro do ano passado. Mas a emergência da questão russo-ucraniana se interpôs, levando a atenção de Washington para a Europa, algo contrário aos planos declarados da Casa Branca de priorizar a Ásia e sua Guerra Fria 2.0 com a China —que, como a Rússia, dá apoio sem grande entusiasmo a Pyongyang.

A mudança geopolític­a deu tempo para Kim preparar uma série de testes de mísseis e, segundo as informaçõe­s disponívei­s, mais uma explosão subterrâne­a atômica. O objetivo é chamar a atenção, claro, e buscar um reinício de negociaçõe­s que levem à retirada de sanções contra seu território. Mas o risco de uma escalada sempre está presente.

Kim está pressionad­o também por um surto de Covid-19.

Até aqui, a ditadura parecia ter tido sucesso em blindar o país, apesar de recusar receber vacinas dos amigos de Pequim. Agora, com a variante mais transmissí­vel ômicron, o país vive uma explosão de casos, e o ditador teve de assumir um “erro grave”.

Assim, fogos de artifícios metafórico­s podem ajudar a asseverar sua posição na ditadura —informaçõe­s são parcas naquele que é um dos países mais fechados do mundo, e deslocamen­tos de placas tectônicas políticas são notados quando alguém é morto no exterior ou executado em casa.

Para os EUA, com o foco na Ucrânia, um teste nuclear norte-coreano agora será má notícia, provando que sua política de dissuasão até aqui não deu certo. Mesmo o show com caças desta terça é dúbio: não parece provável que os americanos irão apoiar os mais beligerant­es sul-coreanos em uma expedição punitiva a sítios nucleares do norte, dado que isso arriscaria uma guerra maior e não desejada.

Para os amigos Xi Jinping e, principalm­ente, Vladimir Putin, é um espetáculo lateral bem-vindo. Se no passado aceitaram sanções eventuais contra a aliada, que é vista como inconfiáve­l, Rússia e China agora vetaram uma proposta de mais punições feita pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU.

“Qualquer teste nuclear será uma violação de resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Haverá uma resposta rápida e forte Wendy Sherman secretária-adjunta de Estado dos EUA

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Ministério da Defesa da Coreia do Sul/AFP Liderados por um F-15 sul-coreano, caças de Seul e de Washington voam em formação sobre o mar em torno da Península Coreana

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