Folha de S.Paulo

Angela Merkel se exime de culpa por Guerra da Ucrânia

Em 1ª entrevista após deixar o poder, ex-primeira-ministra da Alemanha diz que nunca teve ilusões na relação com Moscou

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Angela Merkel, ex-primeira-ministra da Alemanha que em dezembro encerrou 16 anos à frente da maior economia da União Europeia (UE), participou nesta terça-feira (7) de sua primeira entrevista desde que deixou o cargo. Ela voltou a chamar a invasão russa da Ucrânia de “um grande erro”.

Ela se manteve discreta, quase ausente da arena pública nos últimos meses e chegou a receber críticas por se pronunciar pouco sobre a guerra que se desenrola no Leste Europeu há mais de cem dias. Quando esteve no poder, afinal, atuou como ponte de diálogo do Ocidente com o presidente Vladimir Putin.

Na semana passada, em um evento fechado, ela havia rompido o silêncio e chamado a guerra de bárbara, segundo o relato de um participan­te.

Nesta terça, Merkel falou mais longamente em entrevista transmitid­a pela emissora ARD e citou seu papel nas negociaçõe­s que tentaram impedir a eclosão do conflito. Disse que se esforçou muito quando era primeirami­nistra para evitar que a situação degringola­sse e acrescento­u que não sente culpa, porque fez o que era possível.

“É uma grande tristeza que não tenha dado certo, mas não posso me culpar por não ter tentado”, afirmou. Ela se referia inicialmen­te aos Acordos de Minsk, tratados mediados por Alemanha e França que visavam a um cessar-fogo para a crise de 2014, mas que nunca entraram plenamente em vigor nem colocaram fim às tensões e tampouco eram populares entre a população ucraniana, segundo pesquisas pré-guerra.

“É uma grande tristeza que não tenha dado certo, mas não posso me culpar por não ter tentado Angela Merkel ex-primeira-ministra alemã

A ex-primeira-ministra também relembrou que foi contra o ingresso de Kiev na Otan, a aliança militar ocidental, justamente para evitar uma escalada do conflito. O país de Volodimir Zelenski acelerou a aproximaçã­o com a aliança liderada pelos Estados Unidos. A Rússia, por sua vez, afirma que a Otan se estendeu além do limite na vizinhança de seu território, o que forçaria Moscou a se defender.

“O presidente Zelenski está lutando contra a corrupção, mas, na época, a Ucrânia era um país governado por oligarcas; você não pode simplesmen­te dizer ‘ok, amanhã vamos levá-los para a Otan’”, seguiu. Merkel disse que não há justificat­iva para o que chamou de “brutal desrespeit­o à lei internacio­nal” cometido pelo governo de Putin.

Questionad­a sobre a relação que mantinha com Putin, disse que nunca teve ilusões, mas que também não poderia ignorar Moscou. Resumiu o objetivo de sua relação com o governo russo como “encontrar um modus operandi no qual não estejamos em guerra, mas sim tentemos coexistir apesar de nossas diferenças”.

A alemã fala russo fluentemen­te —cresceu na antiga Alemanha Oriental comunista, reunificad­a à Ocidental em 1990. Quando primeira-ministra, apoiou a construção do gasoduto Nord Stream 2, para entregar gás russo à Alemanha. O controvers­o projeto, concluído em setembro de 2021, teve o início das operações congelado pelo sucessor de Merkel, Olaf Scholz, ainda antes de a guerra estourar.

Questionad­a sobre como se sente em sua aposentado­ria da política, afirmou que tem aproveitad­o para ler os longos livros que antes não conseguia e salientou que buscar um novo mandato teria sido um “anacronism­o”. Descartou, porém, que tenha encontrado a tranquilid­ade. “Ainda sou uma pessoa política e, como muitos, muitas vezes fico triste hoje em dia”, disse ela, referindo-se à guerra.

A entrevista foi realizada no teatro Berliner Ensemble, sede da companhia fundada por Bertolt Brecht na Alemanha dos anos 1940, na capital Berlim. Pessoas fizeram fila na entrada do local, onde cartazes com o rosto de Merkel anunciavam o evento.

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John Macdougall/AFP

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