PT tem planos para reverter desestatização, mas não será fácil, dizem especialistas
Brasília | Reuters Com a privatização da Eletrobras perto de ser concluído, o PT já traça planos para tentar retomar o controle estatal da maior empresa de eletricidade da América Latina no caso de uma vitória de Lula nas próximas eleições, disseram membros do partido à Reuters.
Mas o caminho para reverter a desestatização não é simples, na visão de especialistas.
As iniciativas elencadas pelo partido passam por questionamentos no STF sobre fragilidades no processo de venda e vão até uma possível recompra de ações da companhia para que o governo volte a deter mais de 50% da empresa.
Contudo, não preveem ações que possam ser caracterizadas como ruptura ou desrespeito à atual legislação, segundo representantes do partido ouvidos pela reportagem.
“É possível reverter”, afirmou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que comandou a pasta nas gestões do PT entre 2006 e 2014. “Não tenho dúvidas de que há formas, nem que, no limite, você tenha que recomprar as ações.”
Na avaliação de Mantega, o primeiro passo seria levantar as possibilidades de contestação jurídica do processo de privatização. Para ele, o partido deve buscar “defeitos e irregularidades” que possam ter sido cometidos, citando questionamentos já levantados no TCU em relação à precificação da operação.
“O melhor caminho é você questionar e derrubar na Justiça essa privatização, que tem várias irregularidades”, disse.
Responsável no PT por acompanhar o processo de privatização até aqui, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) tem trabalhado, dentro da campanha de Lula, as alternativas que possam ser usadas pelo partido no caso de a venda da estatal ser de fato levada adiante.
O senador cita uma série de pendências, chamadas por ele de “fios desencapados”, que trariam insegurança ao processo, incluindo o impacto nas contas de luz da descotização das usinas —que abrirá espaço para a comercialização de 40% da energia consumida no país a preços livres.
“Não é questionar por questionar.
“O melhor caminho é você questionar e derrubar na Justiça essa privatização, que tem várias irregularidades Guido Mantega ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma
Não vai ter insegurança jurídica. Essa insegurança já existe com esses problemas que ficaram. É fazer ajustes para corrigir processos defeituosos e reinstaurar o interesse público”, defendeu.
Procurados, os ministérios de Minas e Energia e da Economia não responderam. A Eletrobras informou que não iria comentar o assunto.
As regras da privatização preveem uma diluição do poder do governo dentro da empresa, com a venda de ações até que a União chegue a 45% de participação nas ações ordinárias e perca o controle.
No grupo que trabalha com o plano de governo de Lula, a recompra de ações é uma das possibilidades consideradas, como admitido por Prates e Mantega. Mas não há uma decisão tomada. É preciso, dizem, analisar o cenário no caso de o ex-presidente ser eleito.
Uma eventual reversão da privatização da Eletrobras é possível em teoria, mas muito difícil de ser operacionalizada na prática, na avaliação de João Reis, advogado do escritório Machado Meyer, especializado na área de litígio.
“Também acho complicado vir uma decisão política de retornar a Eletrobras como ente da administração pública”, disse, pontuando dificuldades fiscais que o país enfrenta.
O presidente da Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais), Fábio Coelho, observou que a modelagem da privatização já prevê regras que praticamente inviabilizariam um movimento desse por parte do governo.
Uma das chamadas “poison pills” —regras normalmente colocadas para proteger acionistas minoritários— da Eletrobras determina que quem passar a deter mais de 30% das ações teria que pagar um ágio de 100% sobre o valor médio negociado das ações ordinárias da companhia. “Fica muito caro, quase inviável economicamente... E se quiser comprar mais de 50% da companhia, tem um ágio de 200%.”