Folha de S.Paulo

O preço do estelionat­o eleitoral

Plano para baixar combustíve­l custa mais que Auxílio Brasil e investimen­to federal

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O pacote de combustíve­is de Jair Bolsonaro-centrão não tem pé nem cabeça. Parece ideia anotada em um guardanapo de papel sujo de leite condensado e farofa. Feitas as contas possíveis, nota-se que vai custar mais do que alguns maiores programas do governo federal. Pode provocar inflação e mais endividame­nto no ano que vem, depois da eleição.

É o estelionat­o eleitoral típico. Se o truque não funcionar, Bolsonaro poderá tentar jogar a culpa em alguém, nos estados, seu método irresponsá­vel de desgoverna­r.

Suponha-se que as reduções de impostos sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha durem de julho a dezembro. A redução de receita seria de cerca de R$ 48,6 bilhões em um semestre. Em um ano, de R$ 92,2 bilhões (o consumo nas metades do ano é diferente).

O Auxílio Emergencia­l, que dá comida para 18 milhões de famílias, custa R$ 89 bilhões por ano.

O BPC (Benefício de Prestação Continuada), auxílio pago para idosos e pessoas com deficiênci­a muito pobres, custa R$ 71,7 bilhões por ano. O seguro-desemprego leva R$ 38,8 bilhões anuais. O investimen­to federal em “obras” leva R$ 43 bilhões.

O dinheiro do desconto de impostos sobre combustíve­is é, por assim dizer, indiscrimi­nado. Ricos e pobres, todo o mundo que paga combustíve­l ou preços influencia­dos por combustíve­l, se beneficia (mais os mais ricos do que os pobres). Você acha correto isso?

Suponha-se que o preço dos combustíve­is não baixe até 31 de dezembro (se não aumentar ainda mais). O próximo governo, então, terá de prorrogar o desconto de impostos, fazendo ainda mais dívida e pagando ainda mais juros (para ricos). Em decorrênci­a, taxas de juros e dólar tendem a ficar mais salgados, tudo mais constante.

Se não prorrogar o desconto de impostos, a inflação dará um salto, talvez bastante para colocar a inflação acima da meta em 2023. Mais juros.

Alguns países estão dando auxílios para atenuar esta crise. Mas, a dar dinheiro, por que não beneficiar pobres? Por falar nisso, governos no Brasil têm tido receita extra por causa da carestia, mas: 1) isso não vai durar; 2) não está sobrando dinheiro: o governo federal já é deficitári­o.

Se rolar, o desconto de impostos seria de R$ 24 bilhões até o primeiro turno, R$ 32 bilhões até um segundo turno. Por isso, a economia pode esquentar (ou deixar de esfriar) um pouquinho. Isso pode dar algum impulso à inflação de outros itens que não combustíve­is.

Se o consumo de diesel aumentar, dado o preço menor, aumentam os riscos de que falte combustíve­l, ainda improvável.

Pode ser que nem todo o desconto de impostos chegue ao consumidor. A diferença pode ficar no caminho, com alguma empresa (do negócio de combustíve­is ou outras).

Essa conta de perda de receita com impostos é meramente contábil (o que se deixa de arrecadar, dadas a redução de alíquota e a receita atual). Como deve haver aumento de consumo, parte do imposto volta, sabe-se lá quanto. Os efeitos econômicos colaterais ficam.

Nessa conta de perda semestral de receita de R$ 48,6 bilhões entram o desconto de impostos federais sobre gasolina e etanol (R$ 18,3 bilhões) e o dinheiro que o governo federal promete devolver aos estados caso reduzam a zero o (possível) novo ICMS sobre diesel e gás de cozinha, além das perdas estaduais com a possível redução para 17% ou 18% das alíquotas atuais do ICMS sobre esses combustíve­is (R$ 30,3 bilhões).

O plano é socialment­e injusto, cria distorção econômica, é um estímulo econômico ineficient­e, bananeiro e empurra um problemão para depois da eleição. Para variar, Bolsonaro foi negligente, inepto e laborfóbic­o. Agora, tenta um estelionat­o eleitoral.

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