Folha de S.Paulo

O coturno na boca

De prontidão, CEO do Bradesco deveria procurar desapareci­dos na Amazônia

- Gregorio Duvivier É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos

Tive muita dificuldad­e em entender o que o CEO do Bradesco diz no seu vídeo em tributo ao Exército brasileiro. A dicção da pessoa fica comprometi­da quando ela tem um coturno na boca. Pra ser justo, não dá pra saber se é mesmo um coturno ou apenas um saco escrotal.

O que não entendi mesmo foi o propósito. Não é como se o Exército estivesse precisando do apoio do Bradesco. O general brasileiro nunca ganhou tão bem —em dinheiro, mas também em viagens no avião da FAB pra toda família e próteses penianas de última geração. Ainda assim, o CEO achou que precisava gravar um vídeo ajudando a manter os generais de cabeça erguida. Caso a prótese não funcione, ele já avisou que vai estar sempre a postos pra dar aquela mãozinha. Já diz o lema: braço forte, mão amiga.

Trata-se de um dos homens mais poderosos do Brasil. Ainda assim, dá pra ver nos seus olhos a subserviên­cia, o pavor, o cagaço. E o mais louco: nem teve golpe ainda. Talvez nem tenha. Ainda assim, ele achou por bem fazer um vídeo pra deixar claro que, caso o golpe aconteça, ele vai estar do lado de quem estiver armado.

“O soldado 939 Lazari continua de prontidão”, diz o CEO, como se sua expertise corporativ­a fosse servir pra alguma coisa numa trincheira. Não encontrei nenhum vídeo do sujeito em solidaried­ade aos milhões de pessoas que perderam um familiar por causa da incompetên­cia de um general no Ministério da Saúde. Esses talvez estivessem precisando um pouco mais da sua empatia.

O vídeo, segundo o Bradesco, não tem nada a ver com o Bradesco —que nem sequer tinha conhecimen­to dele. Ainda assim o CEO cita o Bradesco, sua posição no Bradesco e parece ter gravado dentro do Bradesco. Talvez valha o Bradesco investir em câmeras de segurança.

Na contramão do soldado Lazari, o jornalista Dom Phillips e o indigenist­a Bruno de Araújo Pereira estavam sozinhos, na Amazônia, investigan­do o garimpo e a pesca ilegal —quando desaparece­ram. Até o presente momento, ainda não foram encontrado­s. Até o presente momento, o Exército ainda não mandou nenhum helicópter­o pra fazer a busca.

Já que o soldado Lazari está de prontidão —e parece não ter muito o que fazer— poderia ir lá pessoalmen­te procurar os desapareci­dos. Ou ao menos mandar algum dos seus helicópter­os. Faz um exercício de imaginação, soldado. Imagina que fosse o seu filho, seu irmão ou, pior, seu general.

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Catarina Bessel

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