Folha de S.Paulo

Convite às escritoras

- Giovana Madalosso Autora de “Tudo Pode Ser Roubado” e “Suíte Tóquio”, é colunista da plataforma de mudanças climáticas Fervura

Escrevo com os dedos eletrizado­s. Tudo indica que o próximo final de semana será grandioso para a literatura, quando centenas de escritoras tomarão espaços públicos, em diversas cidades do Brasil e do mundo, para fazer fotos celebrando a escrita feita por mulheres.

É difícil acreditar que tudo começou há apenas duas semanas. A inspiração veio de uma foto feita em 1958, no Harlem, quando Art Kane resolveu registrar a cena efervescen­te do jazz estadunide­nse, chamando músicos para uma foto que se tornou histórica e ganhou até nome: A great day in Harlem.

Nós também estamos vivendo um momento histórico. Nunca tantas escritoras produziram e publicaram no Brasil. E essa não é uma conquista pequena, já que, desde que o mundo patriarcal é mundo, as mulheres foram mais incentivad­as a escrever listas de supermerca­do do que livros. O resultado de tantos séculos com as mãos no tanque não me deixa mentir. Segundo pesquisa publicada por Regina Dalcastagn­é, em 2005, 72,7% dos autores brasileiro­s eram homens. Pouquíssim­os deles negros ou indígenas.

Estamos muito longe de onde queremos chegar, mas quem está no meio editorial sabe: de cerca de dez anos para cá, uma mudança vem acontecend­o. Cresce o número de mulheres nos catálogos das editoras. Cresce o número de mulheres nas feiras literárias e premiações. E não só para atender a uma demanda (legítima) de representa­tividade, mas porque o público quer isso. Quer novas protagonis­tas e temáticas. Quer a escrita feita com a beleza e a fúria de quem finalmente encontra voz e ouvidos para suas narrativas.

Depois que surgiu a ideia de fazer a foto em São Paulo, na Feira do Livro, no Pacaembu, sentimos um frio na barriga: como chegar a tantas escritoras, a negras, indígenas e periférica­s? Como representa­r pelo menos uma pequena parte desse movimento tão vasto e diverso? E foi então que algo mágico aconteceu. Em poucos dias e quase sem nenhuma divulgação, elas foram aparecendo, de todos os lugares. Não é preciso explicar nada. De alguma maneira, todas viveram a mesma coisa: um manuscrito recusado, uma porta fechada, uma voz silenciada.

Como que convocadas por um chamado inaudível, mas que ressoava em cada peito, elas vieram: coletivos de Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba, Macapá, Cuiabá, Porto Alegre, Porto Velho, Belo Horizonte, Boa Vista, Florianópo­lis, Vitória, Natal, Londrina, Lisboa, Londres e outras cidades que estão chegando e confirmand­o que também farão a foto. Escritoras, juntem-se a nós! Ocupar páginas e espaços públicos também é uma forma de abrir parágrafo para reescrever uma história que precisa urgentemen­te ser reescrita.

Informaçõe­s: www.quatrocinc­oum.com.br

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