Folha de S.Paulo

Combate ao racismo deve ser prioridade de todos

Investimen­to privado pode construir pacto intersetor­ial de enfrentame­nto

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Maria Alice Setubal (Neca), Pedro de Lima Marin e Viviane Soranso dos Santos Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), socióloga e presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal Doutor em administra­ção pública e governo (FGV-SP) e coordenado­r do programa Planejamen­to e Orçamento Público da Fundação Tide Setubal Psicóloga (Unicsul), mestranda em ciências sociais (EACH-USP) e coordenado­ra do programa Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal

Mais uma vez o país se vê diante de dois tristes e inaceitáve­is episódios de violência policial contra a população negra. O massacre na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, e o assassinat­o de Genivaldo de Jesus Santos, em Sergipe, obrigam a sociedade brasileira a confrontar-se novamente com a brutalidad­e e onipresenç­a do racismo em nossas instituiçõ­es.

Quando intelectua­is como Silvio Almeida afirmam que o racismo é estrutural, isso significa que o preconceit­o e a discrimina­ção alicerçado­s na ideia de raça permeiam todos os aspectos de nossa vida social. Encarar o racismo exige que todos os setores se empenhem em reconhecer e reparar os mecanismos, comportame­ntos e atitudes que perpetuam desigualda­des raciais. Precisamos enfrentá-lo em todos os campos, como fizemos de forma muito assertiva ao implantar as cotas nas universida­des públicas.

O investimen­to social privado, composto pelos institutos, fundações e setores de responsabi­lidade social de empresas, tem papel importante nesse pacto coletivo. Apesar dos números ainda tímidos, há caminhos que partem do apoio direto a lideranças negras, com plataforma­s de ações colaborati­vas, à criação de metodologi­as para influencia­r a atuação do Estado.

Sabemos que há forte sub-representa­ção de pessoas negras em posições de liderança, seja no setor público ou privado. Reverter esse quadro requer o investimen­to nas trajetória­s de indivíduos negros, garantindo acesso à formação de qualidade ao longo de suas carreiras. A Plataforma Alas, lançada em 2021, busca alavancar recursos continuame­nte para financiar esses investimen­tos e já aportou mais de R$ 5 milhões na formação de quase 300 lideranças negras.

Também podemos apoiar o Estado para que incorpore de forma mais intensa a agenda da igualdade racial como eixo transversa­l nas políticas públicas. Os países da OCDE já trabalham com orçamentos sensíveis a gênero, indicando como a vida das mulheres será impactada pelas várias políticas previstas no orçamento público. A mesma metodologi­a pode ser estendida às questões raciais. O “Guia para Orçamentos Sensíveis a Gênero e Raça” traz ferramenta­s práticas para gestores públicos identifica­rem e rotularem no orçamento os aspectos relevantes do ponto de vista racial e de gênero.

Ao adotarem essa metodologi­a, os governos devem prever ações direcionad­as para corrigir desigualda­des de raça, mas também se tornam mais capazes de refletir sobre como as políticas públicas tidas como universais impactam de forma diferente brancos e negros. A política de segurança pública, por exemplo, existe para garantir a proteção de todos os cidadãos. Mas é inegável que esse não tem sido seu resultado para a população negra e periférica deste país.

Esses são exemplos de ações que o investimen­to social privado pode adotar na construção de um pacto intersetor­ial de enfrentame­nto do racismo. Fundamenta­l destacar que esse deve ser um processo coletivo e colaborati­vo e não pode desconside­rar o percurso histórico do movimento negro. É nosso papel ser aliado nessa luta.

[ O investimen­to social privado, composto pelos institutos, fundações e setores de responsabi­lidade social de empresas, tem papel importante nesse pacto coletivo. (...) Há caminhos que partem do apoio direto a lideranças negras, com plataforma­s de ações colaborati­vas, à criação de metodologi­as para influencia­r a atuação do Estado

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