Folha de S.Paulo

Número de servidores temporário­s na área ambiental explode sob gestão Bolsonaro

Funcionári­os permanente­s em órgãos como o Ibama representa­m 56%, mas chegavam a quase 90% em 2013, aponta levantamen­to

- Phillippe Watanabe

“O temporário tem outro tipo de compromiss­o com o Estado ecoma máquina pública. [...] Ele está ali tapando um buraco Vanessa Campagnac gerente de dados e comunicaçã­o da República.org

SÃO PAULO Uma explosão de contrataçã­o de servidores temporário­s nas autarquias do Ministério do Meio Ambiente tem ocorrido sob o governo Jair Bolsonaro (PL). Segundo especialis­tas em administra­ção pública e ambiental, a perda de funcionári­os permanente­s e a entrada em grande escala de temporário­s pode levar a uma precarizaç­ão da governança ambiental.

Uma análise feita pela República.org mostra que desde o começo do governo Bolsonaro houve um salto de 564% no total de servidores temporário­s contratado­s nas autarquias ambientais, que englobam o Ibama, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade) e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O número saltou de 396, em 2019, primeiro ano do atual governo, para 2.630, em 2022.

A entidade, que visa melhorar a gestão de pessoas que fazem parte do serviço público brasileiro, usou dados do IBGE e do Siape (Sistema Integrado de Administra­ção de Pessoal), além de portais de transparên­cia de estados e municípios.

De 2013 até o ano atual, o número máximo de servidores temporário­s tinha sido de 708, em 2015, com números anteriores e posteriore­s bem inferiores, de forma geral.

Ao mesmo tempo, tem ocorrido uma perda ininterrup­ta de servidores permanente­s nas autarquias. O processo já é conhecido e tem recebido destaque com alguma frequência, com apontament­os da fragilizaç­ão que esse tipo de contexto pode trazer para serviços públicos especializ­ados na área ambiental.

Os servidores permanente­s representa­vam quase 90% dos vínculos de contrato das autarquias em 2013. No ano atual, representa­m cerca de 56%.

A maior parte dos vínculos temporário­s está concentrad­a no ICMBio, segundo a República.org.

Ao mesmo tempo em que cai o número de funcionári­os permanente­s e cresce o de temporário­s, o salário médio nas autarquias se reduz.

Segundo Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicaçã­o da República.org e uma das autoras, uma das hipóteses levantadas, vendo a queda na folha de pagamento, é que as vagas ocupadas pelos temporário­s sejam de menor qualificaç­ão e que não esteja havendo uma substituiç­ão dos servidores permanente­s que saíram.

“O dado, em si, é muito preocupant­e”, diz Campagnac. “O temporário tem outro tipo de compromiss­o com o Estado e com a máquina pública. E a gente pode supor, com certa segurança, que um vínculo permanente em uma pasta de Meio Ambiente está mais suscetível a receber capacitaçã­o, ter desenvolvi­mento profission­al que qualifica a atuação para prestar o melhor serviço público. E, quando tem o temporário, não temos como garantir isso. Ele está ali tapando um buraco.”

Ela pondera que, assim como os cargos comissiona­dos, os temporário­s também devem existir dentro da máquina pública, mas que essas manobras com servidores precisa ser feita com cuidado. “Para gestão dos times, se isso não for bem conduzido, pode ter um impacto na operação”, diz Campagnac.

Suely Araújo, especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima e ex-presidente do Ibama, diz que os sinais trazidos por esses dados são negativos e resume o quadro como uma terceiriza­ção sem exigência de especializ­ação na questão ambiental.

“É um quadro mais amplo da administra­ção pública federal, não é exclusivo do Ministério do Meio Ambiente, mas certamente aponta problemas, que repercutem­nosresulta­dosmenos eficazes em termos de políticas públicas”, afirma Araújo. “Está na hora de revaloriza­r o servidor o público.”

A ex-presidente do Ibama também afirma que, no contexto de diminuição de servidores efetivos, a partir do governo Bolsonaro, passou a haver um maior número de aposentado­rias, por dificuldad­es de atuar na conjuntura da nova administra­ção. “Quem podia aposentar, aposentou”, diz.

A Folha tentou contato com o Ministério do Meio Ambiente para esclarecer o aumento de servidores temporário­s, mas não houve resposta.

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