Folha de S.Paulo

O mercado da reeleição

- Bruno Boghosssia­n helio@uol.com.br

Quando a cesta básica bateu R$ 560 em São Paulo, no primeiro ano da pandemia, Jair Bolsonaro sugeriu aos donos de supermerca­dos que tivessem lucro “próximo de zero” na venda de alimentos. Desde então, os preços subiram outros R$ 200, e o presidente teve uma ideia inovadora: nesta quinta-feira (9), ele pediu que o setor tivesse o “menor lucro possível” nesses produtos.

Bolsonaro não fez muito mistério sobre o que estava por trás do apelo. Num evento com empresário­s, ele disse que era preciso dar uma satisfação à população mais pobre. Aproveitou para apresentar sua plataforma eleitoral, tentou se contrapor ao que chamou de “o outro lado” e disse que a ajuda fazia parte de um esforço para “continuar o governo”.

A interpreta­ção é simples: o presidente quer que os donos de supermerca­dos cortem os próprios lucros para melhorar o ambiente político a favor de sua reeleição. Na prática, ele pediu uma espécie de doação de campanha, descontada diretament­e do caixa das empresas.

O plano recebeu o endosso do ultraliber­al Paulo Guedes. O ministro foi ainda mais explícito em relação aos propósitos do governo. Afirmou que “é hora de dar um freio nessa alta de preços” e acrescento­u que os empresário­s deveriam se sentir livres para fazer novos aumentos a partir de 2023 —ou seja, depois da eleição.

Por três anos e meio, o governo encarou a agenda econômica como um projeto ideológico, tratando os itens que afetam os mais pobres com uma atitude que oscilava entre a má vontade e o puro improviso. Foi assim nas primeiras discussões sobre a criação do auxílio emergencia­l na pandemia e é assim agora, com uma dose extra de desespero e um apelo ao represamen­to de preços.

Bolsonaro sabe que a defesa das armas, o discurso preconceit­uoso e as constantes ameaças autoritári­as são úteis para manter sua base política coesa. Mas já percebeu também que, num país em que 33 milhões de pessoas passam fome todos os dias, a bandeira do liberalism­o não vale meia dúzia de votos.

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