Folha de S.Paulo

Menos mortes, mais cuidado

Candidatos devem vislumbrar ações que garantam os direitos da infância

- Miriam Pragita, Lucas José Ramos Lopes e Renato Godoy Diretora executiva da ANDI - Comunicaçã­o e Direitos Ponto focal da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescent­es Coordenado­r de relações governamen­tais do Instituto Alana *

Denúncias de violência e crimes contra o povo indígena yanomami voltaram a estampar os jornais. É a fotografia da sistemátic­a violação de direitos humanos no Brasil, em que crianças e adolescent­es são as maiores vítimas. Segundo estudo do Unicef, 80% das crianças yanomamis com menos de cinco anos apresentam desnutriçã­o crônica, consequênc­ia da inseguranç­a alimentar provocada pelo garimpo ilegal em seus território­s. Esse dado sozinho deveria bastar, mas existem inúmeros outros que compõem um Brasil guiado pelo ódio, pela intolerânc­ia e pelo mais completo desprezo pela vida.

A tragédia vivida há décadas pelos yanomamis na Amazônia é espelho de uma nação que fecha os olhos diante de crianças assassinad­as, desnutrida­s, sem educação de qualidade, submetidas à violência e ao trabalho infantil, sem proteção e cuidado. Longe dali, no Rio de Janeiro, 100 crianças foram baleadas de 2016 a 2021 durante a guerra que se trava entre a polícia e o tráfico —a maior parte delas é negra, pobre e vive em comunidade­s periférica­s. Trinta dessas crianças não sobreviver­am, de acordo com levantamen­to da ONG Fogo Cruzado.

Em meio à pandemia, mais de 130 mil crianças e adolescent­es ficaram órfãos de seus cuidadores no país, como mostra relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Estudantes estão desmaiando de fome. Meninas e meninos são acometidos por doenças que voltaram ao nosso mapa por falta de vacinação, como é o caso do sarampo.

Enquanto isso, nos bastidores do poder político, perde-se de vista aquilo que realmente importa. Não se prioriza articular e debater propostas para a prevenção e o enfrentame­nto das violências, combate à fome e à pobreza. Em meio a fake news, desinforma­ção e descaso, lideranças deixam à margem o sofrimento cotidiano da população.

O Brasil de 2022 se encontra em franco retrocesso com relação a marcos civilizató­rios conquistad­os nas últimas décadas. Conquistas essas que resultaram, por exemplo, na Constituiç­ão de 1988, cujo artigo 227 sacramento­u a ideia de que crianças e adolescent­es são sujeitos de direitos. Seu texto traz lado a lado as palavras “absoluta prioridade”, para enfatizar que os direitos de meninas e meninas devem estar em primeiro lugar, sempre.

Faz parte também das vitórias históricas da democracia brasileira a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescent­e pelo Congresso Nacional, em 1990. Trata-se de uma das legislaçõe­s mais avançadas do planeta para a proteção e promoção de direitos desse segmento da população. Ali o Brasil se compromete em garantir a universali­zação do acesso à educação e à saúde e em proteger cada criança e adolescent­e contra “qualquer forma de negligênci­a, discrimina­ção, exploração, violência, crueldade e opressão”. Todo atentado a seus direitos fundamenta­is, seja por ação ou omissão, deve ser punido “na forma da lei”, estabelece o artigo 5º.

As eleições presidenci­ais representa­m um momento decisivo para que se recupere e faça valer o que já conquistam­os. Necessitam­os renovar nosso compromiss­o com a democracia e a verdade para tornar possível o projeto de país que queremos construir.

É frente a esse contexto que nasce a Agenda 227, movimento de organizaçõ­es da sociedade civil comprometi­do em mobilizar as candidatur­as à Presidênci­a da República para que integrem a seus planos de governo um conjunto de ações estruturan­tes voltadas à garantia dos direitos da infância e da adolescênc­ia.

Colocar crianças e adolescent­es no centro das políticas públicas significa o caminho mais curto e eficaz para rompermos o processo de reprodução intergerac­ional de miséria e desigualda­de que marca nossa história, passando a construir um país mais justo e igualitári­o.

Uma sociedade que faz valer os direitos de suas meninas e meninos é uma sociedade orientada pelo cuidado, pela tolerância, pela empatia e pela solidaried­ade.

Colocar crianças e adolescent­es no centro das políticas públicas significa o caminho mais curto e eficaz para rompermos o processo de reprodução intergerac­ional de miséria e desigualda­de que marca nossa história, passando a construir um país mais justo e igualitári­o

 ?? Rubens Chaves - 12.jul.2017/folhapress ?? O campus da Cidade Universitá­ria - USP, em São Paulo, em foto feita com drone
Rubens Chaves - 12.jul.2017/folhapress O campus da Cidade Universitá­ria - USP, em São Paulo, em foto feita com drone

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