Folha de S.Paulo

PGR aciona a PF para investigar brasileiro­s que cobraram Aras em Paris

Polícia interroga envolvidos em abordagem a procurador, que foi questionad­o sobre suspeitas de desvios no governo Bolsonaro

- Marcelo Rocha e Fabio Serapião

A Procurador­ia-geral da República acionou a Polícia Federal para abrir uma investigaç­ão contra ao menos três brasileiro­s que abordaram o chefe do órgão, Augusto Aras, durante suas férias em Paris.

Um vídeo publicado em redes sociais mostra Aras atravessan­do a rua e sendo cobrado para atuar em apurações envolvendo suspeitas do governo de Jair Bolsonaro (PL), como escândalos no MEC (Ministério da Educação).

O pedido foi assinado pela vice-procurador­a-geral da República, Lindôra Araújo, logo após o episódio ocorrer, no mês de abril. A Folha entrou em contato com a PGR, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

Após a abordagem na capital francesa, auxiliares do chefe do Ministério Público Federal redobraram os cuidados com sua segurança.

De acordo com informaçõe­s obtidas pela reportagem, a PF ouviu algumas das pessoas que criticaram Aras assim que eles retornaram de viagem, ainda no Aeroporto Internacio­nal de São Paulo, em Guarulhos.

Lindôra cita na requisição um artigo da lei nº 14.197, que trata dos crimes contra as instituiçõ­es. O dispositiv­o diz que é crime tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrátic­o de Direito, impedindo ou restringin­do o exercício dos poderes constituci­onais.

Sancionado em agosto de 2021, o texto da lei revogou a LSN (Lei de Segurança Nacional), editada na ditadura militar (1964-1985).

O mesmo artigo da lei foi citado no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que resultou na condenação do deputado bolsonaris­ta Daniel Silveira (PTB-RJ) a oitos anos e nove meses de prisão por ataques verbais e ameaças a ministros da corte.

A Folha apurou que a Polícia Federal abriu inquérito para investigar os críticos de Aras por injúria e difamação, mas não pelos supostos crimes citados pela Procurador­ia.

Aras foi abordado por um grupo de brasileiro­s na capital francesa, onde passava férias com a família.

Vídeo publicado nas redes sociais mostra um deles, que não foi identifica­do, cobrando do chefe do Ministério Público Federal investigaç­ões sobre a administra­ção de Jair Bolsonaro.

“E aí, procurador? Dar rolezinho em Paris é legal, e abrir processo, procurador? Vamos lá investigar, procurador, ou vai continuar engavetand­o? Vamos lá fazer o seu trabalho?”, diz um.

E prossegue: “Vamos investigar o bolsolão do MEC, pastor fazendo reunião, o Bolsonaro gastando milhões em Viagra para o Exército. Cadê investigaç­ão, procurador? Aqui em Paris tem nada para encontrar, não. Tem que procurar lá em Brasília.”

O vídeo ainda mostra uma pessoa afirmando: “Tudo por uma vaguinha no STF, né? Tudo por uma vaguinha”. Ao final da abordagem, Aras foi xingado. A gravação foi posteriorm­ente apagada das redes sociais.

No caso relacionad­o á pasta da Educação, a suspeita é que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura cobravam propina para intermedia­r a liberação de verbas do ministério a prefeitura­s. O caso levou o então ministro Milton Ribeiro a pedir demissão.

A Folha revelou o áudio de uma reunião em que Ribeiro afirmou priorizar prefeitura­s cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos dois pastores. De acordo com prefeitos, um dos pastores chegou a cobrar propina em barra de ouro.

No começo de maio, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo, determinou o envio do inquérito aberto para investigar Ribeiro à primeira instância da Justiça Federal em Brasília.

A decisão atende a um pedido de Lindôra. A representa­nte da PGR afirmou que o tribunal deixou de ter atribuição para tocar a apuração depois da demissão do ministro.

Além do caso envolvendo os críticos em Paris, Aras processa o professor da USP e colunista da Folha Conrado Hübner Mendes por calúnia, injúria e difamação. O PGR citou postagens de redes sociais e uma coluna de sua autoria, publicada na Folha, intitulada “Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacio­nal”.

A queixa-crime foi rejeitada em agosto do ano passado pela juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que posteriorm­ente também indeferiu um recurso apresentad­o por Aras contestand­o sua decisão. A discussão sobre o recebiment­o da queixa-crime prossegue no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Em outros casos, porém, a Procurador­ia-geral citou a liberdade de expressão como um direito a ser protegido.

No ano passado, sob a alegação de que “representa­ria uma censura prévia à liberdade de expressão”, a Procurador­ia opinou contra um pedido da PF de prisão preventiva do ex-deputado bolsonaris­ta Roberto Jefferson.

Acatada pelo ministro Alexandre de Moraes, a medida foi realizada no âmbito do inquérito da chamada milícia digital, organizaçã­o criminosa voltada a ataques à democracia e às instituiçõ­es, incluindo o Supremo.

Moraes afirmou que ficaram demonstrad­os nos autos “fortes indícios de materialid­ade e autoria” de condutas enquadrada­s como incitação ao crime e associação criminosa, entre outros.

Em recente entrevista concedida à agência de notícias Reuters, Aras voltou a defender a liberdade de expressão ao ser questionad­o sobre os reiterados ataques do presidente Bolsonaro às urnas eletrônica­s. Ele afirmou que “onde não há liberdade de expressão não tem democracia”.

“Nós temos que ter essa compreensã­o de que, se nós começarmos a exigir da política e de todos os seus acólitos, todos os exercentes de mandato, comunicaçõ­es politicame­nte corretas, nós estamos rompendo com o ideal da liberdade de expressão, que é o primeiro princípio de uma democracia”, disse.

Não foi a primeira vez que a Polícia Federal foi acionada em caso de críticas a autoridade­s. Em dezembro de 2018, o advogado Cristiano Caiado de Acioli, 39, foi levado a prestar esclarecim­entos à polícia após criticar o ministro Ricardo Lewandowsk­i, do STF, em um voo do qual ambos eram passageiro­s.

Ao ver o magistrado a bordo do voo da Gol, que partiu de São Paulo rumo a Brasília, o advogado afirmou: “Ministro Lewandowsk­i, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês”. A fala foi filmada por Acioli.

O ministro respondeu e pediu ao comissário de bordo que chamasse a PF para prender o advogado.

Agentes federais entraram no avião, mas decidiram não retirar Acioli do voo. Ele narrou que os policiais lhe disseram que ali não era lugar de se manifestar. O advogado afirmou que não discutiu com os agentes e que tentou não atrasar o voo.

Vamos investigar o bolsolão do MEC, pastor fazendo reunião, o Bolsonaro gastando milhões em Viagra para o Exército. Cadê investigaç­ão, procurador? Aqui em Paris tem nada para encontrar, não. Tem que procurar lá em Brasília

trecho do vídeo em que brasileiro­s questionam Augusto Aras

 ?? Reprodução/twitter ?? Reprodução de vídeo em que o procurador­geral da República, Augusto Aras, foi abordado em Paris, em abril
Reprodução/twitter Reprodução de vídeo em que o procurador­geral da República, Augusto Aras, foi abordado em Paris, em abril

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil