Folha de S.Paulo

Rússia amplia controle sobre áreas ocupadas no Donbass

Palco de batalha, região no leste ucraniano terá premiê russo pela 1ª vez; Kremlin anuncia ligação com Crimeia

- Igor Gielow

Ao mesmo tempo que trava a mais dura batalha da Guerra da Ucrânia até aqui, na região de Lugansk, a Rússia acelera seus planos de domínio dos território­s do vizinho que caíram sob seu controle.

O governo da autoprocla­mada República Popular de Donetsk, área separatist­a prókremlin na região do Donbass, anunciou que seu próximo premiê será o russo Vitali Khotsenko. Parece detalhe burocrátic­o, mas não é.

Durante os oito anos de guerra civil apoiada por Moscou na região, iniciados na esteira da anexação da Crimeia como resposta à derrubada do governo simpático a Vladimir Putin em Kiev, a Rússia sempre tentou disfarçar suas intenções ao dizer que apenas agia a pedido das populações russófonas locais.

Khotsenko, ex-chefe de departamen­to no Ministério da Indústria e Comércio, é o primeiro russo a ocupar um cargo na administra­ção de Donetsk, que com Lugansk compõe a área histórica do Donbass (bacia do rio Don, em russo).

O reconhecim­ento das duas ditas repúblicas da região por Moscou foi a antessala da guerra, ocorrendo três dias antes do estopim do conflito, em fevereiro. A indicação de Khotsenko mostra que talvez uma anexação futura, em caso de vitória militar, não está descartada.

Em Lugansk, a batalha pela cidade de Severodone­tsk, o mais encarniçad­o embate direto entre ucranianos e russos, vai mal para Kiev. A Rússia diz controlar a cidade, com exceção de uma franja industrial, e a Ucrânia admite que talvez tenha de se retirar para uma posição após a fronteira com o pedaço da província de Donetsk ainda sob sua gestão.

A situação é mais confortáve­l, em termos relativos, para os russos no corredor que estabelece­ram no sul do país, ligando o Donbass à Crimeia. Ali, o ministro Serguei Choigu (Defesa) afirma ter restabelec­ido o tráfego de trens e recuperado 1.200 km de linhas férreas, o que facilita o trânsito de armamento pesado.

O Donbass faz fronteira com as regiões russas de Rostov e Kursk. Na primeira está sediado o Comando Sul do país, fonte de material militar por meio de transporte ferroviári­o. As áreas da ponte terrestre são as províncias ucranianas de Kherson e Zaporíjia, que estão quase todas ocupadas —na última, a capital homônima ainda está nas mãos do governo de Volodimir Zelenski, e talvez assim permaneça.

Ali o jogo russo é menos nuançado do que no Donbass, e a área vai sendo tratada como uma região de ocupação militar, com administra­dores indicados pelo Kremlin. Nas duas, há uma campanha em curso ofertando passaporte­s russos e medidas como mudança do currículo escolar e adoção do rublo.

Com efeito, já que são áreas menos russófonas do que o Donbass ou a Crimeia, há mais resistênci­a. Protestos ocorrem de tempos em tempos em Kherson, e há atividades de sabotadore­s aqui e ali.

Para Choigu, que fez seu anúncio de forma triunfal na quarta (8), isso dá a impressão de ser desimporta­nte. Parece questão de tempo para que os governos fantoches instalados no sul promovam um plebiscito visando sua anexação como região da Federação Russa.

Se Putin consolidar uma vitória pontual no Donbass, a questão que fica é se o presidente russo se dará por satisfeito no que chama de operação militar especial. Analistas sugerem que essa pode ser uma saída para o Kremlin, tendo fracassado em conquistar Kiev no começo da guerra.

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Aris Messinis/afp Soldado ucraniano sobre tanque que se desloca em direção à frente de batalha em Lisitchans­k
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