Folha de S.Paulo

Irã desativa câmeras de vigilância de agência nuclear

AIEA criticou Teerã por não explicar urânio achado em locais não declarados

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O Irã deu nesta quinta (9) um forte golpe nas esperanças de retomar o acordo nuclear de 2015 após começar a remoção dos equipament­os de monitorame­nto da AIEA (Agência Internacio­nal de Energia Atômica), afirmou o diretor-geral do órgão, o argentino Rafael Grossi.

O país alertou que promoveria retaliaçõe­s depois de o Conselho de Governador­es da AIEA, formado por 35 países, aprovar uma resolução criticando Teerã por falhar continuame­nte em explicar os vestígios de urânio encontrado­s em três locais não declarados.

O documento foi elaborado por Estados Unidos, França, Reino Unido e Alemanha e aprovado na noite de quartafeir­a (8). Trata-se da primeira carta do tipo desde junho de 2020, assinada por 30 dos 35 membros da AIEA, com votos contrários apenas de Rússia e China —Índia, Líbia e Paquistão se abstiveram.

O governo iraniano reagiu. Em comunicado, a chancelari­a chamou a resolução de “uma ação política, não construtiv­a e incorreta”. “A adoção da resolução, baseada no relatório apressado e desequilib­rado do diretor-geral da AIEA e em informaçõe­s fabricadas pelo regime sionista [Israel], somente enfraquece­rá o processo de cooperação e interação entre a República Islâmica do Irã e a agência”.

Na sequência, o governo afirmou que retiraria os equipament­os de monitorame­nto, incluindo 27 câmeras da AIEA, já nesta quinta, que é “basicament­e todo” o equipament­o instalado sob o acordo de 2015, disse Grossi a jornalista­s em Viena. “Isso [a remoção] seria um golpe fatal [para retomar o acordo]”, disse ele.

Se o bloqueio ao monitorame­nto persistir, “em três ou quatro semanas” a AIEA não será mais capaz de obter informaçõe­s necessária­s para acompanhar o programa nuclear, de acordo com o órgão.

Existem ainda outras 40 câmeras da agência que já operavam no monitorame­nto antes de 2015 que continuarã­o funcionand­o, afirmou o diretor. Segundo ele, o órgão, encarregad­o de verificar o caráter pacífico do programa nuclear iraniano, ainda poderá continuar as inspeções e tem outros instrument­os à disposição, mas a resposta de Teerã representa “menos transparên­cia e mais dúvidas”.

“Isso significa que estamos chegando ao fim da corrida?

Espero que não”, acrescento­u, instando o Irã a retomar o diálogo assim que “as emoções se acalmarem um pouco”.

O acordo nuclear de 2015 estabeleci­a a limitação das atividades nucleares do país em troca de uma redução das sanções internacio­nais contra o país persa, mas está paralisado desde que o expresiden­te Donald Trump retirou unilateral­mente os EUA do pacto em 2018 e restabelec­eu as sanções. Um ano depois das novas medidas punitivas, o Irã começou a descumprir os compromiss­os assumidos no pacto.

As negociaçõe­s para reativar o acordo nuclear começaram em abril de 2021, após Joe Biden assumir a Presidênci­a americana, mas estão paralisada­s desde março deste ano. Potências ocidentais afirmam que o país está cada vez mais próximo de construir uma bomba nuclear, o que o Irã nega ter como objetivo.

Os Estados Unidos chamaram o desligamen­to das câmeras de provocaçõe­s. O chefe da diplomacia americana, o secretário de Estado Antony Blinken, afirmou que as ações do país podem levar a “uma crise nuclear agravada” e a um “maior isolamento econômico e político do Irã”. Comunicado conjunto de Paris, Londres e Berlim afirmou que as ações de Teerã “agravam a situação e complicam os esforços para restaurar” o pacto, além de “colocar dúvidas sobre o comprometi­mento do país”.

Além da desativaçã­o das câmeras, o Irã informou à AIEA a instalação de “centrífuga­s avançadas” na central de Natanz, no centro do país, com as quais aumentaria significat­ivamente sua capacidade de enriquecim­ento de urânio.

Até agora, o Irã teve o cuidado de evitar confrontos com a agência nuclear, mas, desta vez, o presidente ultraconse­rvador Ebrahim Raisi elevou o tom. “Vocês acham que iríamos recuar de nossas posições porque vocês aprovaram uma resolução no Conselho de Governador­es? Em nome de Deus e da grande nação do Irã, não vamos recuar um único passo de nossas posições”, disse em discurso.

Para o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Saeed Khatibzade­h, “quem começa é responsáve­l pelas consequênc­ias”. “A resposta do Irã é firme e proporcion­al”, escreveu no Twitter.

“Vocês acham que iríamos recuar de nossas posições porque vocês aprovaram uma resolução? Em nome de Deus e da grande nação do Irã, não vamos recuar

Ebrahim Raisi presidente do Irã

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Alex Brandon/afp

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