Folha de S.Paulo

Golpe nos preços pode virar crime

Pela reeleição, Bolsonaro e Guedes querem que empresas manipulem preços

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Jair Bolsonaro (PL) quer que supermerca­dos diminuam seus lucros a fim de conter a carestia e, assim, evitar a eleição de Lula da Silva (PT) e a volta do “populismo” (aquele que nunca foi embora).

Entre vários problemas, trata-se de: 1) sugestão de crime contra a ordem econômica; 2) mais estelionat­o eleitoral: fazer demagogia e mentir agora para tudo explodir depois da eleição; 3) pedido indireto para que empresas deem dinheiro para a reeleição; 4) indício de como um governo autoritári­o pode meter a mão em empresas, preços e muito mais; 5) a desmoraliz­ação final ou adicional do “liberalism­o” de Bolsonaro-guedes.

Paulo Guedes detalhou o plano, quase em tom de ordem. “Empresário­s precisam entender que temos que quebrar a cadeia inflacioná­ria. Estamos em hora decisiva para o Brasil. Nova tabela de preços só em 2023. Trava os preços, vamos parar de aumentar os preços”, disse o ministro da Economia. Bolsonaro e Guedes falaram em um encontro da Abras (Associação Brasileira de Supermerca­dos).

Admita-se a hipótese improvável, por assim dizer, de que os empresário­s de supermerca­dos decidam pagar esse imposto voluntário, um oximoro, uma contradiçã­o em termos, e contenham lucros e preços até o fim deste ano e, na virada para 2023, “nova tabela”. Isso é conluio para manipulaçã­o de preços. É crime.

Claro que a Abras pode se declarar para todo o sempre uma congregaçã­o caritativa, com margem simbólica de lucros, com o que Guedes poderia ser beatificad­o e ganhar um Nobel sem ter escrito um artigo científico, um reconhecim­ento pela prática de política econômica milagrosa.

Claro que tudo isso é sarcasmo. Mas a demagogia aloprada dá o que pensar.

Bolsonaro, Guedes e seus regentes do centrão querem abrir mão de impostos e endividar o governo a juros de 13% ou 14% ao ano a fim de baixar o preço de combustíve­is até o final do ano. Ou os preços aumentam a seguir, “nova tabela” em 2023, ou se faz ainda mais dívida pública. Ou Guedes 2 vai fazer um arrocho geral de despesa? Vai? Ainda nesta quinta-feira (9), prometeu reajuste geral para os servidores em 2023.

O resumo da ópera é querem jogar a conta e a culpa pelo fracasso econômico nas costas de empresário­s e estados (ou tirar dinheiro deles para baratear gasolina e diesel). Mas dão indícios de coisa pior: de que fazem mesmo qualquer negócio, à luz do dia, a céu aberto.

Mentem descaradam­ente: sobre “liberalism­o” ou aliança com o centrão, tentam desacredit­ar fatos básicos sobre epidemia, desmatamen­to, desemprego ou pesquisas eleitorais. Pode ser também que metam a mão na sua empresa ou no futuro dos seus negócios. Ou, então, pode ser que o esfolament­o do povo recomece de modo mais descarado a partir do ano que vem, “nova tabela” em que o couro do cidadão vai custar mais barato.

Sob Bolsonaro 2, com mais poder no Supremo, com um Congresso vitaminado de centrão, o governo pode, por exemplo, cassar sua concessão de rádio e TV e dar para um amigo do nacional-mensalismo, essa aliança de extrema direita com mensaleiro­s que é o bolsonaris­mo.

Pode ter intervençã­o em preço. Ou no preço da sua empresa. Você não bajulou o governo? Vai ter de encarar um governo “terrivelme­nte liberal” —a ditadura militar já fez isso.

Sim, os preços devem cair se passar o pacotaço dos combustíve­is de Bolsonaro e turma. As expectativ­as de inflação para 2023 já aumentam. A taxa de juros vai ficar alta ou mais alta por mais tempo. A dívida pública vai aumentar ou haverá um arrocho de gastos públicos. Gente do governo já propôs privatizar a saúde. Bolsonaro 2 vai estar ainda mais livre para tocar o terror.

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