Folha de S.Paulo

O síndico ficou maluco ou desesperad­o?

Torrar bilhões para segurar preço de gasolina é exagero num país onde falta muita coisa

- Nelson Barbosa Professor da FGV e da UNB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Imagine um prédio com síndico ruim, uma pessoa incompeten­te que não gosta de trabalhar e contra o qual há suspeitas de aproveitar os contratos do condomínio para enriquecer a família e amigos.

A eleição para síndico se aproxima, e tudo indica que o síndico vagabundo perderá. Também se espera que o novo síndico abra a caixa-preta da administra­ção predial, que evoluiu de temerária a bizarra.

Em desespero, o síndico em vias de ser dispensado e investigad­o tem uma ideia: “Votem em mim, pois eu vou zerar o condomínio por seis meses!”.

Empolgado, o fanfarrão vai mais longe: “Votem em mim pois vocês também não precisarão pagar o IPTU, mas fiquem tranquilos que a prefeitura receberá o dinheiro, pois eu compensare­i os cofres municipais pelos boletos não pagos”.

Ao lhe ser perguntado como pagará pelas bondades, o mito da administra­ção predial diz: “Gastando o fundo de reserva do prédio ou endividand­o todos os moradores com o banco, a uma taxa de juro elevada”.

E como o capitão do condomínio planeja reequilibr­ar o orçamento depois de eleito? Anunciando que voltará a cobrar condomínio e que quebrará o piso da vida de todos os moradores, cortando serviços básicos e vendendo o patrimônio do prédio para quem não mora no local.

Parece maluquice? É maluquice. Mas é também mais ou menos o que o governo Bolsonaro anunciou nesta semana.

Desesperad­o com o risco de desabastec­imento ou novo grande reajuste do preço de combustíve­l, o governo federal anunciou que zerará seus tributos por seis meses.

Como a maior parte dos impostos federais já foi cortada no início do ano (as alíquotas federais sobre diesel e gás de cozinha já foram zeradas), a nova desoneraçã­o federal terá pequeno impacto sobre o preço final.

Para piorar o quadro, como a defasagem dos preços internos em relação às cotações externas é grande, uma nova desoneraçã­o não compensará um novo mega-ajuste interno à paridade internacio­nal, se e quando a Petrobras resolver fazer isso.

Diante da limitação acima, para aumentar a desoneraçã­o, o governo federal prometeu compensar os estados que zerarem o ICMS, com mais emissão de dívida pela União, a ser paga via superarroc­ho fiscal, mas só a partir de janeiro, de modo a não prejudicar a campanha eleitoral de Bolsonaro.

Os detalhes da operação ainda não estão claros, mas não é difícil apontar os problemas. Estimativa preliminar­es indicam que o governo gastará R$ 50 bilhões em seis meses para baratear gasolina e diesel.

Que o governo tem que fazer algo, é meio óbvio para todos os que não participam das sessões de coaching do movimento “somos livres e sem noção”, aquele pessoal que acha quem tem a política econômica certa, mas que o povo não reconhece.

Do lado realista, a questão é quanto e como o governo deve atuar, isto é, tamanho do subsídio e quem pagará. Torrar R$ 50 bilhões para segurar preço de gasolina é exagero em um país onde faltam várias coisas. O ideal é um valor menor, só para o diesel, como já foi feito no passado.

Mais importante, o financiame­nto deve vir de quem ganhou mais com o aumento dos preços, as empresas que produzem combustíve­l, via aumento temporário da tributação sobre os lucros do petróleo. É isso que alguns países europeus acabaram de fazer.

E é preciso reconhecer que, seja geral ou focalizado, subsídio temporário não resolve problema estrutural: o governo deve preparar a economia brasileira para lidar com volatilida­de de preços de combustíve­l, como já foi feito com o câmbio, pelo governo do PT, Lula e Dilma, mas acabou o espaço. Volto ao tema na próxima semana.

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