Folha de S.Paulo

Designer de produto brasileira cria absorvente biodegradá­vel para pessoas em situação de rua

- Mauren Luc

“Quando me deparei com a pobreza menstrual, foi um choque”, diz a designer de produto Rafaella de Bona, 25, de Curitiba. A realidade pela qual passam muitas mulheres brasileira­s —e homens trans— a fez buscar soluções sustentáve­is, como um absorvente biodegradá­vel, composto por fibras vegetais e de versátil utilização, especialme­nte para pessoas em situação de rua ou que estão em vulnerabil­idade social.

O projeto é um dos finalistas do prêmio europeu para jovens inventores (Young Inventors prize), do European Patent Office, que reconhece soluções inovadoras para problemas globais. A divulgação do vencedor será no dia 21 de junho, em Munique, na Alemanha.

Bona espera investir o valor do prêmio, que pode chegar a 20 mil euros (cerca de R$ 105 mil), em maquinário para fazer com que seu protótipo comece a ser fabricado em larga escala. Composto de fibra de banana e de bambu, espuma de soja e celulose da madeira, o absorvente pode ser transforma­do de externo, com tiras adesivas, para interno, ao ser rasgado e transforma­do em dois tampões.

Segundo a inventora, sua decomposiç­ão levaria cerca de um ano, muito menos do que os absorvente­s comuns, que usam plástico e podem levar 500 anos para se decompor no meio ambiente.

O modelo culturalme­nte aceito no Brasil, lembra a designer, é o absorvente externo, mas ele não atende às pessoas que estão nas ruas. “Elas não têm acesso à água potável, banheiro e, muitas, nem roupas íntimas. Então resolvemos unir os dois, o externo e o interno, usa como quiser.”

Mesmo quando se pensa em produtos de higiene sustentáve­l, como panos e copos menstruais, a solução não é eficaz, segundo Bona. “Não resolve, pois elas não têm como lavá-los nem onde guardá-los, então acabam adaptando materiais, como jornais, miolo de pão e tecidos, para se transforma­rem em absorvente­s internos.”

Pesquisa divulgada em março apontou que 77% das mulheres com 16 anos ou mais no país dizem que já tiveram que adaptar produtos de higiene menstrual para conter o fluxo.

Além de mulheres em situação de vulnerabil­idade social e econômica, o produto busca amenizar a pobreza menstrual de meninas, presidiári­as e “outros corpos que menstruam, como homens trans e pessoas agênero”, diz a pesquisado­ra.

Foi por esta abrangênci­a que o projeto, inicialmen­te chamado de “Maria”, trocou de nome. Hoje ele se chama “Eu faço parte”. “Esta é a marca de nossa companha para combater a pobreza menstrual. Nela, quem compra um absorvente estará doando outro.”

O novo nome veio depois que uma moradora de rua recebeu algumas doações de absorvente­s comuns e disse “até parece que eu faço parte”.

“Com isso, eu quis que todos fizessem parte para ajudar, doar e fazer um mundo melhor”, diz Bona. “Estamos focadas em soluções que envolvam os Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l da ONU”, completa.

Para tirar o projeto do papel, a designer procurou o poder público em 2019, pouco antes de se formar pela UFPR (Universida­de Federal do Paraná). “Ouvi muitos ‘nãos’, então parti para o plano B, o envolvimen­to de empresas privadas, voltadas à responsabi­lidade social”, afirma.

A motivação fez com que a designer encontrass­e professora­s, startups e coletivos de mulheres, como a Ecociclo e a Rede Mulheres de Fibra. “Muitas empresas me procuraram, mas busco aquelas que tenham o mesmo propósito de ajudar estas pessoas.”

“Queremos que o absorvente vá para o mercado não pelo lucro, mas pela responsabi­lidade social que temos. Além do acesso ao produto, precisamos trabalhar na educação menstrual dessas meninas e mulheres”, conclui, destacando que a pandemia fez com que mais pessoas entrassem em situação de rua.

Segundo os dados mais recentes do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do Ministério da Economia, em março de 2020 o número de pessoas em situação de rua no Brasil era de 222 mil. O levantamen­to não diferencia homens e mulheres.

Dados locais de Curitiba, registrado­s pela FAS (Fundação Social de Curitiba), apontam que 1.191 pessoas vivem nas ruas da capital paranaense.

Em São Paulo, um levantamen­to da prefeitura apontou que o número de pessoas que vivem nas ruas da cidade cresceu 31% entre 2019 e 2021.

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Arquivo pessoal A designer de produto Rafaella de Bona com o absorvente que criou

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