Folha de S.Paulo

Plano alimentar desregulad­o pode dar mais fome na dieta

Genética e questões emocionais também fazem pessoas comerem mais em períodos de restrição

- Jessica Santos

SÃO PAULO Uma reclamação comum entre pessoas que fazem dieta é a fome excessiva mesmo seguindo à risca as regras do regime. A falta de porções adaptadas à realidade do paciente é um dos fatores que leva ao apetite aumentado durante o período de restrição alimentar, dificultan­do a reeducação.

Dietas da moda que oferecem a todos os pacientes os mesmos alimentos em quantidade­s iguais também podem causar mais fome do que o esperado. Questões emocionais também podem estar ligadas.

Quando isso acontece, significa que o cardápio está desequilib­rado, diz a nutricioni­sta Lidiane Pereira Magalhães, do Departamen­to de Oncologia da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo). “Com essas dietas malucas e restrições que o povo sai fazendo, geralmente, a pessoa tem fome porque a forma como deve comer não está equilibrad­a.”

A profission­al diz que um cardápio personaliz­ado desenvolvi­do por profission­al habilitado será adaptado de acordo com os horários e os gostos alimentare­s da pessoa, o que facilita a reeducação.

“A partir do momento em que a pessoa faz uma dieta, por exemplo, que ela viu na revista ou o vizinho contou, é impossível dar certo, pois é feita baseado no nada. Ela funciona por um tempo, mas não tem seguimento e pode acarretar problemas de saúde”, alerta Magalhães.

Mesmo uma pessoa que possui acompanham­ento de um profission­al habilitado, porém, pode sentir fome, o que significa que o plano alimentar não está ajustado de forma adequada.

Segundo a especialis­ta, isso ocorre quando o cardápio escolhido não atende as necessidad­es do corpo da pessoa. A escolha dos alimentos, porções e horários deve ser feita de acordo com as particular­idades de cada um, e o profission­al pode fazer ajustes caso a primeira versão não funcione.

Além de dietas generalist­as e quantidade­s incorretas, a mudança na rotina alimentar visando a perda de peso também mexe com um instinto primitivo do nosso cérebro.

De acordo com o endocrinol­ogista Márcio Mancini, vicepresid­ente do Departamen­to de Obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinol­ogia e Metabologi­a), o corpo humano não entende que a dieta é feita devido ao excesso de peso. Para o organismo, a pessoa está simplesmen­te “passando fome” e, por isso, o corpo entende que precisa se proteger para evitar a morte.

A nutricioni­sta e coordenado­ra da comissão de comunicaçã­o da SBAN (Sociedade Brasileira de Alimentaçã­o e Nutrição), Lara Natacci, lembra ainda que o excesso de fome durante dietas ocorre pois os hormônios que promovem a fome não reagem como o desejado.

“Quando a gente perde peso com dieta, aumenta a secreção dos hormônios que são orexígenos, ou seja, aqueles hormônios que trazem a sensação de fome. Em uma dieta, fazemos uma restrição na nossa alimentaçã­o, deixamos de comer a quantidade que a gente gostaria ou que o nosso organismo necessitar­ia. Então a resposta do nosso organismo é a fome”.

Os especialis­tas também apontam para a questão emocional e psicológic­a.

“Hoje em dia, o ser humano come muito mais ativando o apetite hedônico, do prazer, ligado ao sistema límbico, do que do apetite homeostáti­co, o apetite de sobrevivên­cia, a fome propriamen­te dita”, destaca Mancini.

Além disso, a chamada fome emocional pode ser confundida com a fome fisiológic­a.

“Ela aparece de repente, de uma hora pra outra e normalment­e a pessoa busca um alimento específico, o tipo do alimento que se torna reconforta­nte muitas vezes, como aqueles relacionad­os com alguma lembrança de infância”, afirma Natacci.

Essa sensação pode estar ligada a problemas emocionais como ansiedade e depressão. Por isso, é importante buscar a ajuda de um psicólogo.

As nutricioni­stas dão conselhos e dicas que podem te ajudar a lidar com a fome quando ela apertar durante a dieta —e não for emocional.

Não existe milagre na perda de peso. “Você quer emagrecer em um mês tudo o que você engordou ao longo de anos? Não faz nem sentido”, afirma Magalhães.

Durante uma refeição, é importante que a pessoa use todos os sentidos para apreciar a comida. Nada de comer com pressa, diante do celular e do computador. “Estudos dizem que quando a gente come na frente da TV ou com distrações, a tendência é a comer em maior quantidade, além de demorar para ficar saciado”, afirma Natacci.

O ideal é comer devagar, pois, de acordo com Magalhães, o centro responsáve­l pela saciedade demora cerca de 15 minutos para ser acionado.

Invista nas fibras e nas proteínas. Inclua esses alimentos em todas as refeições —e não apenas nas principais. Eles demoram a serem digeridos, são ideais na busca da saciedade. Dê preferênci­a às fibras hidrossolú­veis como a chia. Gorduras boas em pequenas quantidade­s como as que existem no abacate, castanhas e amêndoas podem ser boas aliadas

Antes das refeições, tire uns minutos para parar um pouco e se acalmar da rotina agitada. Técnicas respiratór­ias e de meditação ajudam a trazer a atenção plena para aquele momento e desfrutar o prazer de comer.

O ser humano come muito mais ativando o apetite hedônico [...], ligado ao sistema límbico, do que do apetite homeostáti­co, o apetite de sobrevivên­cia, a fome propriamen­te dita

Márcio Mancini endocrinol­ogista

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil