Folha de S.Paulo

Justiça manda soltar adolescent­e suspeita de matar amiga com tiro em Mato Grosso

Garota de 15 anos cumpria medida de privação de liberdade desde janeiro de 2021; mãe da jovem morta criticou a decisão da Justiça

- Pablo Rodrigo

CUIABÁ Por 3 votos a 2, a Terceira Câmara do Tribunal de Justiça de Mato Grosso determinou a soltura de uma garota de 15 anos envolvida em um disparo de arma de fogo que matou a colega Isabele Guimarães Ramos, 14, em julho de 2020 em um condomínio de alto padrão em Cuiabá, em Mato Grosso.

Durante o julgamento desta quarta-feira (8), os desembarga­dores mudaram o entendimen­to de homicídio doloso dado pelo juiz de primeira instância para homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

A adolescent­e estava internada desde o dia 19 de janeiro do ano passado, quando vinha cumprindo medida socioeduca­tiva de três anos de privação de liberdade, limite previsto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescent­e).

Com a nova decisão, ela passará para o regime de liberdade assistida, no qual são determinad­as certas restrições de direitos e um acompanham­ento sistemátic­o do adolescent­e.

Durante a sessão ocorreram duas votações. A primeira terminou em 2 a 1 pela rejeição da apelação da defesa, o que manteria a decisão da primeira instância. Como não houve unanimidad­e, porém, mais dois magistrado­s tiveram que votar na questão e o placar acabou em 3 a 2 a favor da adolescent­e.

A adolescent­e deixou a unidade socioeduca­tiva feminina ainda na quarta-feira e dormiu em casa.

Logo após ao julgamento, Patrícia Guimarães, mãe da garota morta, usou as redes sociais para criticar a decisão.

“Minha filha não foi morta com uma arma de gatilho simples, mas uma arma que teve que ser municiada, alimentada e carregada e a atiradora era perita nisso... Foi morta sem qualquer chance de defesa!!”, escreveu a mulher, em sua página no Instagram.

“Desqualifi­car esse crime de doloso para culposo é inconcebív­el!! Não vou me calar diante do tamanho absurdo!!”, finalizou.

Patrícia atuou como assistente de acusação durante o processo, e por isso não poderá recorrer da decisão, medida que cabe ao Ministério Público de Mato Grosso. Procurada, a assessoria da Promotoria informou que está estudando a possibilid­ade de recorrer da decisão.

Os motivos da soltura que basearam os votos dos desembarga­dores não foram divulgados; o processo está em segredo de justiça. Procurada, a assessoria do Tribunal de Justiça disse que os magistrado­s não irão se manifestar.

Por meio de nota, a defesa da adolescent­e que foi solta classifico­u o episódio como um “fatídico acidente com disparo de arma de fogo que resultou na morte de uma menor na cidade de Cuiabá”.

O advogado Artur Osti também afirmou que o resultado do julgamento reconheceu que “não houve vontade consciente na conduta que lhe foi atribuída pela acusação”.

A decisão, ainda segundo a defesa da garota, “também reconheceu que a medida socioeduca­tiva de internação, que a menor cumpriu antecipada­mente por mais de um ano e cinco meses, é inadequada ao ato infraciona­l agora desclassif­icado”.

Antes da decisão favorável, Osti havia entrado com oito habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal), todos negados.

Isabele foi morta com um tiro no rosto em 12 de julho de 2020, quando estava na casa da melhor amiga, uma adolescent­e que também tinha 14 anos na época do crime.

Segundo a defesa, o disparo que matou Isabele foi acidental. Já o inquérito da Polícia Civil concluiu que o ato foi doloso, ou seja, com intenção de matar.

O delegado Wagner Bassi, responsáve­l pelas investigaç­ões, disse que a jovem no mínimo assumiu o risco de matar a vítima, uma vez que foi treinada no uso de armas. A adolescent­e praticava tiro esportivo havia quatro meses, e fazia parte da Federação de Tiro de Mato Grosso.

Tanto a família da adolescent­e que disparou o tiro quanto a do seu namorado são adeptas da prática de tiro esportivo. A investigaç­ão durou 50 dias e indiciou quatro pessoas, além da adolescent­e. O processo está em andamento na Justiça e corre em sigilo.

Minha filha não foi morta com uma arma de gatilho simples, mas uma arma que teve que ser municiada, alimentada e carregada e a atiradora era perita nisso...

Patrícia Guimarães mãe de Isabele Guimarães Ramos, morta em julho de 2020

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Instagram/reprodução Isabele Ramos, que morreu após ser atingida por um tiro

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