Folha de S.Paulo

Eterna corda bamba

‘Cultura do futebol brasileiro’ é o nosso analfabeti­smo do jogo moderno

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

A pergunta mais repeti dano rio de Janeiro nesta semana foi: “Paulo Sousa vai cair?”. Não é engraçado. É trágico. A demissão do técnico português depois da derrota para o Bragantino mostra como foi apressada a conclusão de que a falta de qualidade do futebol brasileiro estava ligadasóàf­alt ade conhecimen­to de nossost reinadores.

Ou não haveria uma lista de 15 estrangeir­os em times da Série A que chegaram e partiram nos últimos três anos: Miguel Angel Ramírez, Jesualdo Ferreira, Ariel Holan, Alexander Medina, Domènec Torent, Diego Aguirre, Rafael Dudamel, Sá Pinto, Ramón Díaz, Eduardo Coudet, Diego Dabove, Gustavo Florentín, Hernán Crespo, Jorge Sampaoli... O português António Oliveira foi demitido pelo Athletico-pr e recémcontr­atado pelo Cuiabá. Agora, Paulo Sousa. Todos deixaram contribuiç­ão, os bons, como Coudet e Sampaoli, os campeões, como Crespo, até os decadentes, como Ramón Díaz.

A discussão não é essa, mas por que razão seguimos pedindo demissões, mesmo com dez clubes da Série A com treinadore­s vindos do exterior. Ou nove, porque Alexander Medina já caiu no Internacio­nal.

Pergunto a dois colegas, um italiano e outro português, se há algo parecido no mundo. O italiano, Enzo Palladini, diz que não. Na Itália, respeitam-se as etapas do trabalho, e as 11 quedas na temporada 2021/22 foram por decisão diretiva, sem ânimos inflados nos corredores e arquibanca­das.

Houve 28 mudanças no Brasileiro de 2021.

Em Portugal, afirmam, só há similarida­de como Brasil em países sem conhecimen­to do jogo. Espantam-se com nossa necessidad­e de discutir se times são defensivos, com três zagueiros, ou ofensivos, com linhas de quatro.Éap ré-história dos debat estáticos.

Aqui, contesta-se o rodízio de Vítor Pereira, sem pensar nas razõesqu elevaram o Corinthian­s amonta rum elenco com dezj ogadores acima de 31 anos. Por que contratar um técnico conhecido pela intensidad­e, como Vítor Pereira, para um calendário com dois jogos por semana e com um elenco de dez veteranos?

Gente próxima a Paulo Sousa reclama de os dois diretores de futebol, Marcos Braz e Bruno Spindel, marcarem reuniões em horários diferentes e passarem mensagens difusas para jogadores e comissão técnica. Braz é vereador. Sousa sabe que ele não está sempre presente.

Há problemas causados pelos técnicos. Outros, pela estrutura dos clubes. As torcidas cobram de acordo com as glórias do passado. Faltam dirigentes que saibam falara verdade, adaptara expec ta tivaàre alidade. Também nós, a imprensa.

O Corinthian­s não está jogando bem sob o comando de Vítor Pereira. Também não jogava comsyl vinho, vagner mancini,Dy ego Coelho, Tiago Nu- nes, Jair Ventura e Osmar Loss ... Todos, desde o título brasileiro de 2017, com Fábio Carille.

“E aí, Paulo Sousa vai cair?” Quase deu torcicolo de tantas viradas de pescoço, para responder às perguntas das ruas cariocas. Já imaginou um funcionári­o de supermerca­do fechar o dia com prejuízo em seu caixa e ouvir, bem ao lado, alguém questionan­do o gerente: “Vai demitir?”.

Só no futebol. Técnico dog rê mio,rogerm achado visitou um posto de gasolina, em Porto Alegre, e ouviu dofren tis ta:“éverd ad eque você vai cair?”. Respondeu que não e, educadamen­te, perguntou ao funcionári­o: “Já imaginou se chegassem aqui e perguntass­em se você vai ser demitido?”.

Inteligent­e, o frentista pediu desculpas. Enorme diferença entre inteligênc­ia e cultura. Diz emosque apressãoé“cultura do futebol brasileiro”.

Vi verna eterna corda bamba éon osso analfabeti­smo do jogo moderno.

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