Folha de S.Paulo

Coquetel das bruxas usa ingredient­e tido como poção do amor

- Daniel de Mesquita Benevides folha.com/geloegim

“Não deixarás viver a feiticeira”, manda o “Êxodo”, em claro confronto com o mais civilizado “Não matarás”. O Antigo Testamento tem dessas coisas, levadas ao pé da letra por inquisidor­es, juízes e torturador­es. Tudo em nome da fé e dos bons costumes.

Há exatos 330 anos, Bridget Bishop era enforcada na costa nordeste dos EUA. Foi a primeira mulher executada por bruxaria nos infames julgamento­s de Salem, que condenaram à morte mais 19 pessoas, uma delas apedrejada e outra, o único homem, esmagada. Não que a forca fosse tranquila. Lançada de baixa altura, a ré estrebucha­va por minutos, para gáudio da plateia puritana.

As acusações iam de enfeitiçar crianças, que aparentava­m estar possuídas, a seduzir homens enquanto dormiam, na forma espectral. Mamilos e vaginas do inferno os atacavam no sono dos justos. Às vezes bastava uma verruga, marca de impureza, como prova de tais malefícios.

Outros países do Novo Mundo e da Europa viveram cenários semelhante­s. Em Benevento, perto de Nápoles, camponesas eram acusadas de voar ao encontro de demônios, sugar o sangue de bebês em rituais de sacrifício e promover danças e orgias com seres fantástico­s, animais e até homens.

Diz-se que passavam um unguento poderoso nas axilas e seios para vencer a gravidade. E que usavam vassouras de sorgo como transporte, de preferênci­a à meia-noite, provocando tempestade­s. Ou cavalos com as crinas retorcidas, que sequestrav­am de estábulos e faziam galopar até botarem espuma para fora.

A ideia de que pudessem fazer o que quisessem com o próprio corpo era mais incômoda do que o diabo em pessoa. A tranquilid­ade se restabelec­ia ao som dos gritos nas fogueiras, depois de confissões arrancadas sob tortura.

A verdade é que tais julgamento­s, também feitos por tribunais seculares, tinham, muitas vezes, interesses bem terrenos: serviam para resolver rusgas pessoais e principalm­ente para garantir a ordem patriarcal e capitalist­a, na análise brilhante de Silvia Federici, em “Calibã e a Bruxa”.

Passados os séculos 15, 16, e 17, período em que ocorreu a caça cruel, a pequena cidade italiana aproveitou as lendas e imprimiu-as como fatos de grande valor turístico. Virou a cidade das bruxas. Estão até no escudo do time local.

As poções preparadas com plantas medicinais, prática comum das magas subversiva­s, inspiraram Giuseppe Alberti a misturar mais de 70 ervas e criar, em 1860, o licor Strega, nome italiano para bruxa. Entre as ervas está o anis, considerad­a boa para tratos intestinai­s e cura de várias doenças, inclusive o tédio, como bem sabiam Baudelaire e seus pares.

O poeta professava amor às damas do oculto: “Bruxa de olhos atraentes/terrível paixão, te quero/com a mesma devoção/que a um santo presta o clero.”

Numa clave muito distante do pré-feminismo das feiticeira­s, o Strega, cuja receita é secreta, mas certamente inclui açafrão, canela, hortelã e mirra, sugere ligação frívola com a magia do amor, apropriada para o dia 12. Existe a crença de que, quando dois apaixonado­s tomam o licor, ficam juntos para sempre.

A premissa aparece no filme “Kitty Foyle”, que deu o Oscar a Ginger Rogers em 1940. Ela vai a um saloon com seu par romântico. Para garantir que ninguém mais no lugar tome o licor e bagunce o feitiço, pedem logo a única garrafa disponível do néctar de Benevento.

Na dúvida, las hay.

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Grupo Extinction Rebellion se uniu a organizaçõ­es francesas e representa­ntes indígenas das Amazônias brasileira e colombiana; a empresa é dona do Pão de Açúcar
Sarah Meyssonnie­r/reuters AMBIENTALI­STAS PROTESTAM EM PARIS CONTRA MARCA CASINO, ACUSADA DE VENDER CARNE LIGADA AO DESMATAMEN­TO Grupo Extinction Rebellion se uniu a organizaçõ­es francesas e representa­ntes indígenas das Amazônias brasileira e colombiana; a empresa é dona do Pão de Açúcar
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