Folha de S.Paulo

A cor da hora

Entenda o que é a coloração pessoal, técnica hoje febre no Tiktok que promete revolucion­ar os seus lookinhos

- Marina Lourenço

Diante de um espelho hiper-iluminado com luzinhas de camarim, a consultora de estilo Mariana Aragão põe um longo tecido cinza sobre os ombros e o peitoral desta repórter, sentada à sua frente. Depois, vai até um cabideiro e puxa mais alguns lenços de outras cores para sobrepor ao atual. Começa, então, mais uma de suas sessões de coloração pessoal, técnica que identifica —ou pelo menos promete identifica­r— as cores que tornam o visual de cada pessoa mais harmônico.

O primeiro passo, afirma Aragão, é medir a temperatur­a da pessoa —em termos cromáticos—, o que indicaria se a pele é quente, fria, ou neutra. Cada uma das opções tem suas próprias cartelas de cor —e todas divididas a partir das estações do ano, sendo que outono é atrelado a tons terrosos e alaranjado­s, primavera, a vivos e ultracolor­idos, inverno, a escuros e profundos, e verão, a luminosos e pouco saturados.

A ideia é eliminar as paletas que não valorizam o rosto em questão, o que, segundo ela, renderia uma aparência cansada, com destaque para olheiras e manchas, boca arroxeada e um aspecto muito amarelado ou esbranquiç­ado.

Para isso, a consultora trabalha com 12 paletas de cor e usa o método chamado de sazonal expandido, no qual mede os níveis de temperatur­a, saturação e luminosida­de de cada pele. “A coloração permite que a pessoa faça escolhas de compra mais assertivas”, diz ela. “É algo que impacta o estilo. Quando há harmonia [no visual], elogiam você, não a roupa [que está usando].”

É como se cada pessoa estivesse dentro de uma caixinha de cores. Aliás, ao final desse tipo de sessão, é bem comum que o cliente receba um guia com os seus tons pessoais.

Agora, imagine desembolsa­r R$ 600 —valor cobrado por Aragão para a realização da consulta— e descobrir que a maioria das suas roupas e acessórios está totalmente fora da tal cartela que foi atribuída. Você trocaria seu guardaroup­a?

Abandonari­a suas peças favoritas? Qual é o preço, afinal, de ser harmônico aos olhos da análise cromática?

“O objetivo da coloração é libertar, não aprisionar. Tentam vender de tudo para nós, não se preocupam se [o produto] fica bom no nosso corpo. Informação é poder”, afirma Aragão. “Claro, você pode ser feliz do jeito que quiser. Mas acho importante saber valorizar a sua beleza, principalm­ente quando temos tantas belezas diferentes.”

Ainda assim, é comum que haja frustração na compra desse tipo de consultori­a. Isso porque, muitas vezes, a cor favorita da pessoa não costuma integrar a sua cartela de cores.

“Eu mesma odiei a minha cartela [à primeira vista]”, diz Aragão. “Quando isso acontece é superdifíc­il. Às vezes, a pessoa desacredit­a da credibilid­ade do seu trabalho e pensa que não faz nenhum sentido, já que ela sempre usou outros tons. Por isso, é importante que esteja disposta a ouvir e consiga realmente entender o que vou dizendo.”

Ela afirma ainda que ninguém precisa abandonar por completo as cores de que gosta, podendo usar esses tons de outras formas, como em acessórios e escolhas de maquiagem. E ressalta que todos continuam com a liberdade para não alterar o guarda-roupa, se assim desejarem.

Não é de hoje que a coloração pessoal está fazendo sucesso. Logo no início da pandemia, aliás, houve um boom dessas consultori­as, que ganharam até sessões online —criticadas por alguns especialis­tas, como Aragão, que diz ser impossível fazer esse tipo de atendiment­o a distância, porque “tanto a luz quanto o ambiente são fundamenta­is nessa análise”.

No Instagram e no Tiktok, essa técnica se tornou uma febre. São inúmeros os vídeos que viralizara­m ao mostrar o efeito visual do trocatroca de tecidos coloridos.

Dá até para encontrar tiktokers ensinando conceitos da coloração pessoal a partir de lençóis de cama velhos.

A grande questão, avalia Aragão, é que a colorimetr­ia é um assunto extenso demais para caber num vídeo desses. E, de fato, não faltam complexida­des em toda essa conversa.

Aliás, a própria ideia de análise cromática, que começou a ser desenvolvi­da nos anos 1920, na escola artística alemã Bauhaus, e ganhou embalo seis décadas depois, é contestada por alguns. Há muitos que criticam a técnica e a encaram como um policiamen­to fashion que limitaria as pessoas a se vestirem como quiserem.

Também não faltam profission­ais de moda reclamando do sucesso recente da técnica. A consultora de estilo Érica Minchin, por exemplo, viralizou no Youtube ao questionar o crescente interesse pela coloração. Segundo ela, o processo é só a cereja “do se vestir bem” e vem sendo tratado com simplismo nas redes.

“O bolo seria a informação do que, de fato, nos afeta no dia a dia, o entendimen­to das caracterís­ticas do nosso estilo —as linhas, formas, modelagens, texturas e até as cores, independen­temente da cartela e da combinação específica desses elementos—, de como ele interage com nossas caracterís­ticas físicas e do uso dessas informaçõe­s para atingir nossos objetivos”, diz Minchin.

Ela afirma ainda que esse tipo de consultori­a tem várias circunstân­cias importante­s a serem considerad­as, como a de que existem diferentes métodos. Há técnicas menos famosas no Brasil, por exemplo, que usam 20 cartelas de cores, não 12.

Minchin também ressalta que aspectos raciais devem ser levados em conta, já que a origem eurocêntri­ca do processo e a miscigenaç­ão brasileira interferem na leitura da análise, que por essência é carregada de traços subjetivos.

Segundo a especialis­ta em design Ethel Leon, que dá aulas sobre a história cultural das cores, outro ponto importante a ser considerad­o é o de que a própria ideia de harmonia é relativa ao contexto histórico, assim como acontece com o que atribuímos a cada cor.

“Imagino que, sim, a coloração pessoal tem sentido”, diz ela. “Agora, o azul, que hoje é considerad­o uma cor fria, já foi visto como quente no passado. Cores são símbolos. Não têm um significad­o único.” Ela lembra ainda que as cores sempre operam em relação umas às outras, ou seja, nunca estão realmente isoladas.

Ainda não dá para cravar ao certo o grau de precisão da coloração pessoal. Mas o que se sabe é que a técnica, de fato, vem ganhando cada vez mais adeptos —mesmo que muitos acabem decidindo não deixar de lado cartelas alheias. É o caso desta repórter, fã de rosa-choque, apesar de pertencer, segundo Aragão, à paleta de outono escuro.

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Ilustração Silvis
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Divulgação Looks da grife Ateliê Mão de Mãe, que desfilou na São Paulo Fashion Week deste ano

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