Folha de S.Paulo

Com ‘Irma Vep’, diretor quer provar que cinema talvez já não seja maior que TV

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br “Irma Vep” é exibida pela HBOMAX, com novos episódios às segundas

“Irma Vep”, que a HBO Max estreou na segunda (6), é tão cheia de metarrefer­ências que a trama, por momentos, fica em segundo plano. Mas é, também, um sinal promissor de que cinema e TV não precisam estar distantes, ainda que seu diretor, o francês Olivier Assayas, teime que sim.

Não se estranha, portanto, que os fãs da arte de Hitchcock se entusiasme­m mais com essa refilmagem do que discípulos de David E. Kelley.

Do tempo das cenas aos diálogos, tudo remete a cinema (“um filme em oito partes”, corrige seu personagem).

E, ainda assim, “Irma Vep” busca funcionar como série, sacando um e outro elemento do glossário da TV para tentar conquistar um público maior e mais jovem para o qual aquele bando de referência­s talvez não faça diferença. (Ou, talvez, capturando para a tela pequena cinéfilos irredutíve­is.)

O enredo traz uma atriz americana, que acaba de tomar um fora amoroso e de estourar com um blockbuste­r de heróis, tentando se reencontra­r em Paris, onde está para filmar uma série inspirada em um filme francês mudo dos anos 1910, “Os Vampiros”. Ao longo da produção, ela passa a se identifica­r mais e mais com a diabólica protagonis­ta.

É praticamen­te a mesma trama da obra que Assayas levou à tela grande em 1996, com o mesmo nome, e Maggie Cheung no papel principal.

Agora temos a sueca Alicia Vikander —que recebeu o Oscar de coadjuvant­e por “A Garota Dinamarque­sa” e, como diz seu diretor no filme, está “cintilante”— e um bocado de amargura a mais no alter ego do cineasta, o diretor René Vidal (Vincent Macaigne), cuja obsessão por um filme de 1915 parece mais assombrá-lo do que o inspira.

Há um bocado de tensão sexual, cortesia de Vikander e de Adria Arjona, como Laurie, sua ex-amante. E, como não poderia deixar de ser, cinismo às pencas com o rumo que a produção audiovisua­l, na plataforma que for, tem tomado (“há gente hoje criando obras com base em algoritmos”, indignou-se Assayas a repórteres em Cannes, como registrou Leonardo Sanchez).

Sim, há, e isso normalment­e resulta em uma máquina de produções com as mesmas fórmulas. Mas Assayas quer correr para o rumo oposto, preocupado apenas em prestar contas a si mesmo e a seus tantos muitos fantasmas.

Isso posto, é prazeroso ver algo na TV que não pareça com “N” outras coisas, além de ser um afago a quem gosta de cinema como se fazia antes das franquias de heróis.

Cineastas migram para a TV com frequência cada vez maior, nem sempre conseguind­o imprimir suas marcas. Há os que mantêm a identidade e exploram o novo formato, como David Fincher e os Coen; há quem se recuse a se render, mas perca o próprio norte —aconteceu com ninguém menos que Woody Allen.

Assayas é um diretor talentoso. “Irma Vep” está apenas no primeiro de seus oito episódios. Torçamos para que, passados esses dois meses, ele se junte ao primeiro grupo.

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Divulgação A atriz Alicia Vikander em cena da série ‘Irma Vep’

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